30 junho, 2007

Talento para algo mais que pilotar

Quando pensamos em um piloto de Fórmula 1, pensamos primeiro em um profissional obcecado pelo que faz, simplesmente um sujeito que tem por talento natural guiar um carro o mais rápido possível. Claro que, se não fosse o caso, nenhum deles chegaria a uma competição automobilística de alto nível, mesmo aqueles pilotos que conseguem seu lugar mais por sua conta de patrocinadores pessoais do que por talento. Mas muitos pilotos também têm ou tinham uma afinidade ou uma habilidade natural incomum em outras atividades, que acabaram desenvolvendo como hobby, ou, após a aposentadoria ou mesmo paralelamente, como uma segunda atividade profissional.

Senna em dois momentos na sua casa em Angra dos Reis: aeromodelismo e jet skiDesde os anos 80, o estilo esportista adotado e divulgado por Ayrton Senna estimulou a prática de esportes e exercícios físicos como parte da preparação física e mental dos pilotos. Se antes um piloto de Fórmula 1 precisava apenas comparecer a testes, corridas, e eventos publicitários, sem se preocupar muito com a forma (e alguns pilotos nos anos 50 e 60 eram bem gordinhos, como o grande piloto argentino José Froilan González), a partir dali muitos adotaram a vida de um atleta. Senna tinha como hobby o jet ski, na época um esporte pouco conhecido no Brasil. Alguns esquiavam. Os pilotos da Ferrari, por sinal, ainda são quase obrigados a saber usar o esqui, já que faz parte do contrato passar as férias no resort da empresa nos alpes italianos e posar para a mídia internacional, de preferência, sem fazer feio na neve. Aliás, Rubens Barrichello aproveitava a oportunidade para vencer Michael Schumacher em corridas de trenós motorizados. Emerson Fittipaldi, depois de coroa, pilotava ultraleves, até se acidentar com um em sua fazenda, em São Paulo. O mesmo Schumacher levava um misto de preparador físico com guru espiritual a todas as corridas. Fernando Alonso é um dos pilotos atuais que mais leva a preparação física a sério.

Schumacão em ação em jogo beneficente na EslovêniaFutebol é como um segundo esporte para quase todos os pilotos (exceto os americanos, claro), embora a maioria seja perna de pau. Nigel Mansell, por exemplo, torceu um tornozelo durante uma partida, em 91 ou 92, não lembro, e durante várias semanas ele subiu ao pódio apoiado numa bengala. O próprio Rubens é um peladeiro razoável, Jarno Trulli e Giancarlo Fisichella não perdem uma chance de entrar em campo, enquanto Michael Schumacher, por outro lado, é um centro-avante competente, fazendo muitos gols em partidas beneficentes, não poucas vezes aqui no Brasil e contra jogadores e ex-jogadores profissionais. O alemão até comprou um pequeno time na Suíça, onde, nos dias livres, ou quando lhe convém, joga como titular.

John Surtees, uma lenda da motovelocidadeVários jogam golfe, como Mansell. Keke Rosberg praticava tênis, assim como seu filho Nico. E não podemos esquecer daqueles que fizeram carreira em outras modalidades antes de chegar à Fórmula 1, como John Surtees (o único campeão mundial nesta categoria e em motovelocidade), Johnny Ceccoto, e, por um triz, Valentino Rossi, que tinha vaga quase certa na Ferrari este ano. Nem vou mencionar pilotos de outras categorias de ponta, como Alan McNish, Michael Andretti, ou Christjan Albers, porque, afinal, também aquelas eram corridas de carro de alto nível.

Jato da Lauda Air, empresa aérea de Niki LaudaOutros tinham um faro especial para os negócios. É o caso de Emerson Fittipaldi, que ganhou muito mais dinheiro com sua produção de cítricos e com a administração de sua imagem do que como piloto. Ayrton Senna com sua irmã Viviane dirigiam a Fundação Ayrton Senna, que até hoje movimenta muita grana investindo em instituições voltadas a crianças carentes. Clay Regazzoni, depois do acidente que o tornou paraplégico em 1980, se tornou um dos mais ativos defensores dos direitos dos deficientes físicos pelo mundo. Nélson Piquet, que trabalhou como mecânico no início da carreira de piloto, foi pioneiro na instalação de um sistema de monitoramento via satélite de transportes de carga no Brasil. Niki Lauda e Keke Rosberg se tornaram concorrentes ao fundarem, cada um, uma empresa aérea. Huub Rothengatter agencia pilotos na Europa. E por que não mencionar o "hômi", Bernie Ecclestone, que, de piloto mediano que falhou em duas tentativas de se classificar para GPs nos anos 50, se tornou o dirigente mais poderoso da categoria e um dos mais ricos do mundo do esporte? E outros que se tornaram donos de equipes, como Jack Brabham, Dan Gurney, Surtees, Jackie Stewart, Guy Ligier, Gerrard Larrousse, Wilsinho Fittipaldi, Alain Prost, e companhia.

Slim Borgudd é o do meioE houve, também, pilotos com uma veia artística mais forte. Slim Borgudd, ex-piloto de ATS e Tyrrell - e o meu piloto obscuro favorito! - era o baterista de estúdio do conjunto ABBA. O campeão Jacques Villeneuve também é músico agora, e já soltou a voz num CD lançado ano passado. Elio de Angelis tocava piano tão bem que diziam que ele poderia facilmente ter seguido a carreira de pianista de concertos. Johnny Dumfries é, além de um pintor de talento considerável, decorador e designer de móveis.

Martin Brundle entrevista Eddie IrvineOutros revelaram-se bons comunicadores. Ivan Capelli se tornou comentarista da RAI, James Hunt e Martin Brundle da BBC, Luciano Burti da Globo. Patrick Tambay trabalhava como jornalista quando descobriu, em 92 ou 93, que a Ligier usava peças móveis no seu aerofólio traseiro - já naquela época se tentava burlar o regulamento.

Assim como ser piloto de corridas não exclui a possibilidade de desenvolver outros talentos não relacionados, também nada impede que profissionais de outras áreas - vide o caso do bateirista Slim Borgudd, que pilotou por duas temporadas e ainda marcou um ponto, ou o aristocrático Johhny Dumfries - venham a demonstrar um talento inesperado para o automobilismo. Lógico que, para chegar lá, é preciso desenvolver esta aptidão ao limite, e isso envolve tempo, investimento, esforço e abnegação. Mas já pensou, você que é advogado, eletricista, dentista (houve um dentista correndo as 500 Milhas de Indianápolis!), ou, no meu caso, botânico, se aventurar nas pistas sem grande perspectivas, e ser chamado para ser piloto de Fórmula 1? Não custa sonhar.

Fontes: BBC (foto), Slovenia News (foto), Bouboum - álbum no Photobucket (foto), PTN1.net (foto), Formula One Rejects.

27 junho, 2007

Momento Crítico 1 - A Escolha de Warwick

A escolha de Derek WarwickExistem momentos críticos na vida de maneira geral em que pequenos eventos mudam totalmente a direção dos acontecimentos dali por diante. Às vezes um desencontro, uma distração, ou uma decisão vinda de um lugar improvável podem ter enorme repercussão. É sobre a repercussão da decisão de um piloto que eu vou falar, um piloto mediano cuja decisão que mudou para sempre a Fórmula 1.

Derek Warwick havia adquirido respeito como rival de Nelson Piquet na Fórmula 3. Correndo com um orçamento três vezes menor, Warwick passou o ano de 1978 na cola do brasileiro. Sua primeira chance na Fórmula 1 foi com a Toleman, em 81, e lá permaneceu até 83. Nesta última temporada, ganhou enorme reputação ao marcar nove pontos para uma equipe que já vivia o estigma de equipe pequena, e até então havia marcado nenhum. Além disso, Warwick também tinha deixado para trás todos os seus companheiros de equipe (mas cá entre nós, desses só Teo Fabi é digno de comparação). No final de 83, o inglês era um dos pilotos mais badalados do circo. Na ocasião, a Renault perdeu sua dupla de pilotos (Alain Prost foi para a McLaren, e Eddie Cheever, dispensado, foi parar na Alfa Romeo), e o time que disputara até a última prova o campeonato de pilotos de 83 ofereceu um lugar a Derek.

Em 84 a Renault já não era mais a mesma. Embora Warwick tenha até mesmo chegado perto das vitórias (liderou algumas provas, e terminou duas vezes em segundo), havia algo estranho no ar.

Mansell em Jacarepaguá, 1982Enquanto isso, outro britânico, o residente mais ilustre da Ilha de Man, Nigel Mansell, batalhava com (e contra) sua Lotus. No time desde 80, Mansell viu Colin Chapman abotoar o paletó, deixando a equipe em uma situação delicada. Seu braço direito, Peter Warr, era certamente competente o suficiente para dirigir a empresa, mas não tinha aquele gênio criativo que fez da Lotus uma equipe vencedora nas décadas anteriores. Como resultado, a decadência. Como se isso não bastasse, Mansell, que já não era nenhum garoto, pilotava como um novato, quebrando, batendo, fazendo trapalhadas que lhe custavam resultados importantes, ou simplesmente o faziam parecer ridículo. E para piorar, seu companheiro de equipe era o eficientíssimo Elio de Angelis, e a comparação entre os dois deixava o inglês no embaraço. Ao final de 1984, Mansell já tinha 4 temporadas pela Lotus, e nenhuma vitória, enquanto de Angelis tinha uma vitória, duas pole-positions, e foi terceiro colocado naquele ano.

Em 84 ocorreria um evento dramático que abalaria o status quo da categoria, a afirmação de Ayrton Senna como um fenômeno. Coincidentemente contratado para substituir Derek Warwick na Toleman, Senna fez as conquistas do inglês pela equipe parecerem pífias, e isso imediatamente chamou a atenção de outras equipes. Senna recebeu uma proposta e assinou contrato com a Lotus antes do final da temporada (o que lhe valeu um "castigo" da Toleman, ficando de fora do GP de Monza). Isso significava que um dos seus dois pilotos seria mandado embora, e como de Angelis tinha contrato até o final de 85, o Leão ficaria a pé.

É aí que entra o momento crítico, quando as escolhas de um homem mudam todo o mundo ao seu redor.

A Williams estava insatisfeita com Jacques Laffite, e queria substituí-lo. Frank Williams, depois de fazer Alan Jones e Keke Rosberg campeões mundiais, queria uma estrela britânica, algum compatriota que pudesse brilhar, e que fizesse a equipe brilhar junto. O escolhido? Derek Warwick. Porém, Warwick vinha satisfeito com a Renault, que bem ou mal era uma grande equipe que lutou por títulos nos anos anteriores, onde ele era o primeiro piloto. A temporada de 84 foi razoável, mas sempre havia a possibilidade de uma volta por cima, naquelas condições. A Williams, por outro lado, já tinha seu primeiro piloto definido (Rosberg) e havia embarcado numa incerteza, que era o motor Honda turbo. Warwick não acreditava no projeto da Honda para a Fórmula 1, e, certo de que a Renault lhe daria condições para brigar por vitórias, simplesmente recusou o convite.

E assim, Frank Williams contratou Nigel Mansell.

Warwick posa como piloto da Brabham em 86E para Warwick, o ano de 85 foi um desastre. Antes da temporada começar, já haviam demitido o engenheiro Ross Brawn (ele mesmo!), o projetista Michel Tetu, e o diretor esportivo Gerrard Larrousse. Tudo foi por água abaixo, e com apenas 16 pontos no campeonato, a equipe, superada por suas próprias clientes, faliu, e Warwick ficou a pé. Havia uma possibilidade na Lotus, mas Senna o vetou. Voltou como tapa-buracos na Brabham em 86 após a morte de de Angelis, e passou de 87 a 89 na Arrows. Chegou à Lotus em 90, onde o carro não só era terrivelmente problemático como também perigoso (falhas nos freios causaram um acidente quase fatal com Martin Donelly, e outro fortíssimo com o próprio Warwick na Parabolica de Monza). Só voltaria a pilotar um Fórmula 1 em 93, na Arrows-Footwork.

Mansell comemora sua segunda vitória em Kyalami, 85E Nigel Mansell seria campeão do mundo e 3 vezes vice com a Williams, um dos pilotos mais marcantes e vitoriosos da história recente do esporte.

O que teria sido da Fórmula 1 se Warwick tivesse dito "sim" à Williams? Teria Nigel Mansell tido uma carreira bem mais curta? Teria Derek Warwick se firmado como o grande piloto inglês do final do século? Teria ele, ao contrário, falhado e aberto o caminho para um quarto título mundial de Nelson Piquet, ou talvez uma vaga prematura para Senna na Williams? Nunca saberemos. Mas de tudo isso podemos tirar uma lição, a de que todas as decisões de nossas vidas podem ser as mais importantes, mesmo as que parecem ser as menores. E que tudo que fazemos produz ecos que influenciam todo o universo à nossa volta.

Fontes: The Derek Warwick Homepage, 8W, Formula One Facts (fotos), Brabham BMW (foto)

24 junho, 2007

A Fórmula 1 em Indianápolis 2 - Os pilotos

Depois que eu escrevi sobre a aventura das equipes de Fórmula 1 nas 500 Milhas de Indianápolis em um post recente, especialmente a experiência de sucesso da Lotus nos anos 60, senti que ainda havia mais história para contar. Pois a intromissão do mundo da Fórmula 1 no templo maior do automobilismo norte-americano não se restringiu à aventura de engenheiros obcecados, mas também instilou a ambição de pilotos, alguns deles já consagrados nos circuitos europeus.

Alberto Ascari posa com sua Ferrari 'Special'
Considerando 1950 como ponto de partida com a criação do Campeonato Mundial de Fórmula 1, a primeira grande personalidade da categoria a tentar a sorte na Indy 500 foi o grande Alberto Ascari, indiscutivelmente um dos melhores de todos os tempos. Em 1952, no ano em que se sagraria campeão do mundo, a Ferrari levou sua equipe para Indianápolis (na época, parte do calendário da F1). Porém Ascari decepcionou, e abandonou depois de uma rodada na volta 40. Isso foi o sinal para os competidores europeus de que correr em oval não é tão simples quanto parece.

A equipe Brabham em 1969 - Jack à esquerda, Revson à direitaEm 1961 foi a vez de Jack Brabham. Com uma Cooper-Climax adaptada, ele chegou em nono após as 200 voltas. Nos anos seguintes (64, 69 e 70), Brabham levou carros próprios, mas abandonou em todas as ocasiões com problemas mecânicos. Seu contemporâneo Dan Gurney - um dos raros pilotos americanos que fizeram carreira na Europa antes de tentar as 500 Milhas - teve melhor sorte. Disputou a prova nove vezes, e obteve dois segundos e um terceiro pilotando sua própria criação, o Eagle.

A sensação dos anos 60 era a Lotus, e com ela o piloto favorito da época, Jim Clark. A dupla Clark-Lotus conquistou duas pole-positions, dois segundos lugares e uma vitória, em 1965. Gurney também correu em três edições com Lotus, e cedeu o lugar a Graham Hill, que logo na sua estréia, em 1966, obteve a vitória. Hill ainda largaria em segundo na edição da indy 500 de 1968 correndo com o Lotus "turbina", mas abandonaria a prova depois de uma batida.

Jackie Stewart (à esquerda) conversa com Jimmy CLark
Outro campeão mundial, Denny Hulme, obteve dois quartos lugares em 67 e 68 correndo com Eagle, e teve a honra de inaugurar, de forma menos brilhante, a discreta participação da McLaren nas 500 Milhas, em 1971 - que também contou com Peter Revson nos anos seguintes. O futuro tricampeão do mundo Jackie Stewart passou perto da vitória em 66, depois de liderar por 40 voltas (mesmo abandonando a prova a 10 voltas do fim, ainda garantiu um sexto lugar). Jochen Rindt foi outro campeão a marcar presença em Indianápolis, mas sem sucesso.

Clay Regazzoni na Indy 500 de 1977Nos anos 70, os americanos, principalmente devido à extrema eficiência dos chassis fabricados localmente em ovais, teriam a supremacia da participação na prova. Tanto a evolução dos chassis tipo Indy (acelerada com a criação do campeonato da CART em 1971) como as recentes inovações na aerodinâmica dos carros de Fórmula 1 tornariam as categorias tecnicamente - e financeiramente - incompatíveis. E, ao contrário do que vinha ocorrendo, pilotos de sucesso nos ovais seriam procurados por equipes de Fórmula 1. Mario Andretti foi, daqueles, o piloto mais importante, mas Danny Sullivan, Bobby Rahal e outros tiveram a sua chance. Em 1977, Clay Regazzoni foi convidado pela Theodore Racing a correr em Indy, usando chassis McLaren, sem sucesso (a Theodore, mais tarde, viria a ter uma equipe própria na fórmula 1).

A partir da década de 80, pilotos que se aposentavam na Fórmula 1, ou não obtinham o sucesso esperado na categoria, procuraram Indianápolis. Foi o caso de Hector Rebaque, Roberto Pupo Moreno (que falhou em se classificar com Lotus para o GP da Holanda de 1982 e tentou a Indy em 86), Derek Daly, Raul Boesel, Jacques Villeneuve (o tio homônimo do campeão mundial de Fórmula 1 de 1997 e das 500 Milhas de 1994) e Eliseo Salazar (o chileno que ficou famoso por levar uns sopapos de Nélson Piquet em plena pista, com capacete e tudo).

Emerson deixa Al Jr. para trás e ruma para a vitória em 89
Porém, a chegada do bicampeão mundial Emerson Fittipaldi à Indy em 1984 renovaria a atmosfera de prestígio que a prova americana vinha perdendo no resto do mundo. Em 1985 já largava em quinto e liderou 11 voltas antes de abandonar com problemas mecânicos. Em 1989, numa manobra ousada sobre o favorito Al Unser Jr., Emerson obteve a primeira vitória de um brasileiro nas 500 Milhas, e quebrou o protocolo ao beber suco de laranja ao invés do tradicional leite na entrega do troféu - uma bela jogada de marketing, já que Fittipaldi é um grande produtor de cítricos no Brasil e nos EUA. Ele ainda fez a pole em 1990 e venceu outra vez em 1993. Em 95 passou pelo embaraço de não conseguir a classificação, por causa de problemas sérios no chassis Penske.

Nigel Mansell roda no pit lane no ano de sua estréia
O sucesso de Emerson atraiu outro ex-campeão do mundo, Nelson Piquet. Depois de voar em todos os treinos e se candidatar à pole-position, Piquet sofreu um violento acidente, batendo de frente depois de um giro de 360º na curva 4, esmigalhando os dois pés. Ele ainda conseguiu voltar em 93. Se classificou no pelotão intermediário, mas com um equipamento apenas mediano, pouco pôde fazer. Naquele ano estreava o seu arqui-rival, Nigel Mansell. O Leão terminou em terceiro na sua prova de estréia, mas fez uma corrida ruim no ano seguinte.

Christian Fittipaldi e seu carro pintado com a bandeira do Brasil
Infelizmente a carreira de ambos nos EUA foi curta. Mas na mesma época, outros pilotos recém saídos da Fórmula 1, como Maurício Gugelmin, Stefan Johansson, Christian Fittipaldi (segundo lugar na sua prova de estréia), e Mark Blundell continuaram pipocando no oval de Indiana. Michele Alboreto, vice-campeão mundial em 1985 pela Ferrari, fez sua única participação nas 500 Milhas em 96. Nos últimos anos, pilotos com participações medíocres na Fórmula 1 também obtiveram resultados medíocres na Indy 500. Foi o caso de Max Papis (ex-Arrows), Shinji Nakano (ex-Prost) e Thomas Enge (também ex-Prost).

Eddie Cheever a bordo de seu carro na edição de 2006 das 500 Milhas
Certamente, dos pilotos americanos que fizeram o caminho inverso - constituir carreira na Europa, para depois correr em casa - Eddie Cheever tenha sido o mais bem sucedido. Depois de uma carreira bastante razoável na Fórmula 1 (mesmo passando apenas por equipes e médias), Cheever se aposentou em 1988 e fez sua estréia na Indy 500 em 90, com um sexto lugar. O ápice veio em 98, quando o piloto norte-americano venceu a prova. Cheever atualmente comanda uma equipe de relativo sucesso na IRL, com participação em Indianápolis.

Como pudemos ver, a "superioridade" dos pilotos de Fórmula 1 sobre os pilotos criados em ovais é ilusória. Na maior parte das vezes em que saíram do seu meio para buscar a glória nos EUA, eles se meteram em fria. Somente em casos extraordinários os pilotos do lado de lá do Oceano impuseram superioridade aos do lado de cá. Os pilotos norte-americanos, cuja escola se baseia nos circuitos ovais, sempre foram os homens (e atualmente, as mulheres também) a serem batidos. Comparar a qualidade de um Ricky Mears (5 vezes pole-position e 4 vezes vencedor em Indianápolis) com um Fangio, ou mesmo com um Emerson Fittipaldi - com quem correu junto na equipe Penske no final da carreira - é descabida, pois assim como Emerson foi um piloto excepcional em circuitos mistos, Mears foi um monstro nos ovais, e cada um dominou o seu próprio meio no seu próprio tempo. Deixemos que cada rei exerça seu reinado em seu próprio reino.

Fontes: Indy 500 (incluindo fotos), Formula One Facts.

23 junho, 2007

Lembranças sobre Niki Lauda

Niki Lauda em 1995, como consultor técnico da FerrariMeu pai é um fã de Niki Lauda. Ele diz, convicto, que o austríaco foi um dos melhores pilotos que ele já viu. Meu pai, que considera Jim Clark o melhor de todos os tempos, pode não ter uma memória boa para os fatos daquela época (ele, por exemplo, associa Jackie Stewart ao Tyrrell P34 de seis rodas, lançado 4 anos depois da aposentadoria do escocês), mas ele não tem dúvidas quanto à qualidade de cada piloto, por isso a princípio tomo a palavra dele para mim.

Eu pessoalmente não me lembro muito de Niki Lauda. Comecei a acompanhar a Fórmula 1 em 1984, quando meu pai me levou para assistir aos treinos de classificação do sábado do GP do Brasil, em Jacarepaguá. Mas o que me lembro daquele ano, e de 1985, são apenas flashes. De Lauda, tenho lembrança de sua última corrida, no GP da Austrália em 1985. Ele largou no pelotão intermediário, não se deu bem com a pista e acabou abandonando com problemas nos freios. Lembro do Galvão Bueno, um tanto emocionando, lembrando que aquela era a despedida do tricampeão do mundo (daquela prova ainda lembro do pódio do Phillipe Streiff, com Ligier. Curioso como isso ficou impresso na minha memória).

Também tenho uma lembrança engraçada, coisa de criança. Em 1984 Lauda venceu o GP da África do Sul. Aquela foi a corrida em que Ayrton Senna marcou seu primeiro ponto, com a Toleman. Ao final da corrida, Senna estava todo torto, cheio de cãimbras, e alguém (talvez o Reginaldo Leme) o entrevistou deitado numa maca. Eu não sabia direito das coisas, e achei que, como Lauda havia vencido a corrida, aquele que estava sendo entrevistado era ele. Por um bom tempo eu pensei que o austríaco falva português fluente!

O acidente de Lauda em NürburgringUm dos textos mais emocionantes que já li foi um sobre Niki Lauda escrito por Lemyr Martins e publicado na revista Quatro Rodas, em 1999 (infelizmente acho que o site da revista não tem esse texto disponível, mas pode ser encontrado em vários outros sites... inclusive no meu blog pessoal). Falava sobre seu acidente em 1976, em Nürburgring, que quase lhe tirou a vida, sua fantástica recuperação, e sua volta por cima um ano depois, conquistando o bicampeonato mundial. Foi através dele que eu realmente adquiri respeito por este piloto e homem extraordinários.

Fontes: Formula One Facts (fotos).

20 junho, 2007

Trilogia "A Geração Perdida": Stefano Modena, derrotado por si mesmo

Stefano Modena em foto oficial para a temporada de 1990Quando Stefano Modena não conseguiu obter classificação para o grid de largada para o GP da Itália de 1992, se viu duas cenas opostas nos boxes da Jordan: Eddie Jordan e os mecânicos exasperados de um lado, e o piloto abatido do outro. E durante a maior parte do ano foi assim. Modena era um sujeito fechado, e à medida que os resultados não vinham, ele se fechava mais e mais, a ponto de perder qualquer contato pessoal com a equipe à sua volta.

Uns poderiam dizer que Modena, na verdade, intimidava os outros pela sua personalidade resoluta e austera, e que isso afastava a todos de si. Talvez seja essa a verdade. Assim como pode ser verdade que o rapaz introspectivo (com um ar de mistério e elevação que faziam compará-lo com Senna) tenha se tornado irrascível e até mesmo hostil devido à crueldade do mundo competitivo da Fórmula 1. Mas a verdade é que Stefano Modena, um dos pilotos mais talentosos da sua geração, foi derrotado por si mesmo.

A estréia de Modena, em AdelaideO italiano, cujo sobrenome lembra sua cidade natal, começou se destacando no kart, onde dominava todas as competições. Em 1986 se destacou na Fórmula 3 italiana, mudando para o europeu da F3000 no ano seguinte. Modena, pilotando pela equipe Onyx-March (que dois anos mais tarde tentaria a sorte na Fórmula 1) se tornou campeão desta categoria no seu ano de estréia! No final do ano, a Brabham lhe ofereceu um lugar para disputar o último GP da temporada na Austrália. Classificando-se em 15o., 1 segundo e meio atrás da outra Brabham de Andrea de Cesaris, abandonou depois de 30 voltas. Aos 23 anos, sua primeira experiência valeu pelo contato estabelecido com o "circo".

Pilotando a nanica Eurobrum, na AustráliaA ascenção meteórica na carreira de piloto de monopostos sofreu logo um baque quando a Brabham decidiu se retirar do campeonato mundial de 1988. Restou uma vaga na novata Eurobrum, uma equipe de relativo sucesso em categorias inferiores, mas sem qualquer experiência na Fórmula 1, exceto pelo veterano engenheiro Gianpaolo Pavanello, ex-Alfa Romeo.

Modena, que vinha de carreira vitoriosa, começou a experimentar o gosto amargo que os novatos normalmente experimentam ao ingressar na Fórmula 1, pecando pela inexperiência e pela deficiência técnica de um time pequeno. Mesmo assim, havia lampejos de genialidade, como no GP do Canadá, onde Modena conduzia sua Eurobrum na sexta posição quando o câmbio quebrou, a duas voltas do final. Numa época em que 30 carros disputavam 26 vagas no grid de largada, ter ficado de fora em apenas 4 corridas foi um feito e tanto.

Modena pilota sua Brabham em SuzukaA Brabham voltou reestruturada (ou, talvez, desestruturada) em 1989. Firmara acordo com Martin Brundle, que acabara de vencer o mundial de esporte-protótipo, e já tinha 5 anos de experiência na Fórmula 1. Para segundo piloto, o italiano tímido e de cabelos degringolados que estreara pela equipe dois anos antes. Modena viu-se diante do desafio de bater um piloto mais experiente, e, determinado a voltar ao topo, não se intimidou: logo na terceira prova do ano, em Mônaco, um terceiro lugar - o último pódio da história da equipe. Porém aquela temporada se revelaria difícil.

A Brabham se tornou um desfile de dirigentes excêntricos com dinheiro para gastar em coisas erradas e nenhum comprometimento com o esporte, enquanto figuras tradicionais como Herbie Blash mantinham a calma e procuravam fazer o melhor. O fato é que a equipe não tinha programação de treinos (todos os ajustes eram feitos durante os treinos livres antes das tomadas de tempo), não havia desenvolvimento, e isso resultou em quebras constantes - mesmo se classificando constantemente entre os 10 pirmeiros do grid, aqueles 4 pontos foram os únicos da temporada - os mesmos quatro obtidos por Brundle.

Modena em um de seus melhores momentos, em Phoenix, 1990As coisas iam tão mal na Brabham que, para dar um boost de publicidade para o time, contrataram o filho de seu fundador, David Brabham, para substituir Brundle em 1990. Embora David não fosse um piloto ruim afinal, e Modena mostrasse ser superior a ele, o melhor resultado foi um quinto lugar do italiano na corrida de estréia, nos Estados Unidos. Naquela prova a Pirelli, que equipava a Brabham, apareceu com pneus novos que surpreenderam a concorrência (outros carros com pneu Pirelli, como Minardi, Dallara e Osella largaram nas primeiras posições). Quebras sucessivas e desempenhos cada vez piores ofuscaram qualquer talento que Modena estivesse demonstrando.

Mas não para os dirigentes dos grandes times! No final do ano corria rumores de que Alessandro Nannini estaria indo para a Ferrari, e a Benetton logo entrou em contato com Stefano. Porém com o acidente de Nannini e a entrada de Roberto Pupo Moreno no time, e a pressão de Nélson Piquet para mantê-lo no ano seguinte arruinaram o negócio. Quando a Ferrari se decidiu por Jean Alesi e a Tyrrell perdeu seu garoto de ouro, Ken Tyrrell logo ligou para Modena, e em menos de uma semana o negócio estava fechado.

Modena ultrapassa Alain Prost em PhoenixA revista Grand Prix de novembro de 1990 dava a Tyrrell como uma das promessas para o ano seguinte: um excelente chassis que obtivera resultados expressivos naquele ano, pneus Pirelli mais duráveis e o legendário motor Honda V10. "Acho que posso vencer corridas", entusiasmava-se Modena, e francamente era o que se esperava da equipe. Logo na primeira prova, um quarto lugar, e em Imola um quinto. Em Mônaco mais uma vez, Modena alinhou seu carro em segundo no grid, apenas atrás de Ayrton Senna - o italiano vinha mantendo o segundo lugar quando o motor falhou na volta 42. A recompensa veio em Montreal. Ultrapassando a Williams de Patrese, e contando com a quebra de Nigel Mansell na última volta, Stefano chegou em segundo.

 Modena supera Patrese em MônacoPorém o mar de rosas começou a se desvanecer, e ao longo do campeonato a Tyrrell, que basicamente usava um chassis do ano anterior, passou a ser superada por outras equipes do pelotão intermediário. Somente voltou a marcar em Suzuka, com um sexto lugar do italiano. No final do ano a Jordan, equipe revelação de 91 e já cobiçada por muitos pilotos, o procurou.

Talvez a inexperiência de Eddie Jordan na Fórmula 1 o tenha conduzido a decisões questionáveis. O chassis Jordan 192 era uma evolução do grande carro de 91. Porém Jordan decidiu desenvolver um novo câmbio seqüencial. Aliado a um motor Yamaha V12, que os japoneses diziam se comprometer a tornar competitivo - apesar do fracasso quase total com a Brabham no ano anterior - completou a receita de um projeto desastroso. E lá estava Stefano Modena. "Foi o pior dos meus 5 anos de Fórmula 1", disse em uma entrevista recente.

A última participação de Modena na Fórmula 1, marcando um ponto em Adelaide.Os problemas eram tantos e tão evidentes que Modena sequer se classificou para a primeira corrida do ano, na África do Sul. O desânimo que tomou conta do piloto o tornou ainda mais fechado do que de costume. Infelizmente isso veio de encontro ao estilo irreverente do seu patrão e da equipe, e os conflitos começaram a surgir. Embora seu companheiro de equipe, Maurício Gugelmin, conseguisse se classificar para todas as provas, em algumas Modena (que ficou de fora em 4) conseguia ir melhor. Mas o time preferia claramente o estilo aberto de Maurício ao tipo "estranho" do italiano. Modena atribuía a situação a Jordan, "uma pessoa difícil de se lidar". O único ponto da equipe, marcado por Modena na última corrida do ano - e da sua carreira - não foi comemorado por ninguém.

O fato é que Modena nasceu com o perfil do vencedor: compenetrado, focado apenas no trabalho, "brotado" de vitórias nas categorias de base e satisfeito apenas com a glória máxima. Vendo-se na ocasião num círculo vicioso de equipes intermediárias que não progrediam porque "esses times se preocupam mais em garantir dinheiro de patrocinadores para o ano seguinte do que em desenvolver o equipamento", e incapaz de mostrar resultados com um carro que quebrou em 8 corridas, Modena não tinha possibilidades de ocupar uma vaga em equipes vencedoras. Modena não estava no seu meio. Ao passo que certos pilotos de grande talento, como Ivan Capelli e René Arnoux, alcançaram o topo, mas não tiveram estrutura psicológica para suportar o clima competitivo das grandes equipes, um piloto com gana de vencedor como Stefano Modena foi da mesma forma incapaz de se adaptar à impossibilidade de alcançar suas metas. Anos depois, o que se vê é um Modena frustrado, que sequer se anima a assistir corridas pela TV.

"Eu amo a perfeição. Mas não sou perfeito".

Fontes: Funo! (eu não sabia que podia ler italiano...), Grand Prix.com, , Formula One Facts (incluindo fotos), Wikipedia.

P.S.: gostaria de saber por que o blogger "estica" em algumas versões do IExplorer as imagens que eu redimensiono durante a postagem... :^P

17 junho, 2007

A Fórmula 1 em Indianápolis

Aproveitando que hoje tivemos o Grande Prêmio dos Estados Unidos em Indianápolis, com vitória de Lewis Hamilton (nunca vi um piloto tão novo andar tão rápido e errar tão pouco!), vamos relembrar um pouco da importância dessa pista para a Fórmula 1.

Pode-se dizer que Indianápolis é o coração do automobilismo norte-americano. O oval de 2 milhas e meia abriga as 500 Milhas de Indianápolis desde 1911, e é uma das corridas mais tradicionais e importantes do mundo. O vencedor das 500 milhas recebe prestígio comparado apenas aos vencedores de provas como as 24 Horas de Le Mans, ou o Grande Prêmio de Mônaco.

Para nós que somos mais novos, ou até para a geração anterior à minha, nascida já nos final dos anos 60, falar da Indy 500 num texto sobre Fórmula 1 pode parecer como misturar água e óleo. Contudo, a prova máxima do automobilismo americano e o campeonato Mundial de Fórmula 1 têm a sua história amalgamada por mais de 20 anos, desde 1950 até a metade dos anos 70. Isso sem falar nos pilotos de uma ou de outra categoria que se aventuraram do outro lado do Oceano.

Bill Vukovich, no dia em que perdeu a vida em IndianapolisQuando o Campeonato Mundial de Fórmula 1 foi criado, em 1950, a Indy 500 fazia parte. A pista ainda era pavimentada com tijolos e poerenta, e a prova era disputada com regras próprias. Já naquele tempo existia uma segregação, natural até, entre o automobilismo europeu (centrado em circuitos mistos, alguns muito longos como Nürburgring, Spa e AVUS) e o americano (desenvolvido em ovais). Como a Indy 500 exigia que os carros e motores tivessem uma construção diferente para suportar a carga de curvas sempre à esquerda com aceleração máxima a maior parte do tempo, as equipes européias não participavam da prova, pois os custos para a adaptação dos carros seriam inviáveis. A prova era, assim, disputada por construtores e pilotos locais, que, de forma semelhante, não tinham condições para preparar carros para competir tanto nas 500 Milhas como nas provas européias. Indianapolis estava no calendário e contava pontos para o mundial, mas para a Fórmula 1 ela tinha uma importância meramente decorativa - assim como o campeonato mundial não despertava muitas ambições entre os americanos.

As 500 Milhas permaneceram no calendário de 1950 a 1960, e nesse período o piloto mais bem sucedido foi Bill Vukovich. De 51 a 55 ele registrou uma pole-position, duas vitórias, e três melhores voltas, a última destas em 1955, quando morreu na pista após um acidente enquanto liderava a prova. Dos vencedores da prova naquela década, apenas dois se aventuraram na Fórmula 1 longe do oval: Troy Ruttman (vencedor em 52) disputou os GPs da França e da Alemanha em 58, com uma Maseratti, enquanto Roger Ward (vencedor em 59) disputou provas em Sebring e Watkins Glen, com chassis de fabricação americana.

A partir de 1960, Indy deixou o calendário da Fórmula 1. Mas seu prestígio continuou atraindo as atenções na Europa. Em 61, a Cooper fez uma tímida tentativa no oval americano, com Jack Brabham ao volante, obtendo resultados modestos. Eles usavam o mesmo modelo T54 que usaram nas provas do mundial com adaptações para Indianápolis, porém não foram o suficiente para fazer o carro original render no nível dos demais, construídos para aquele tipo de pista.

Em 1963 Colin Chapman, o fundador e o gênio por trás do sucesso da Lotus, também fez sua tentativa. Atraído pelo desafio, levou seu pupilo Jim Clark e Dan Gurney e seu chassis 29, projetado especialmente para o oval, o primeiro carro com motor traseiro a disputar a prova. Clark foi segundo colocado naquele ano, que também o veria campeão mundial de Fórmula 1 com o Lotus 25. No ano seguinte, além de ter o norte-americano Bob Marshman pilotando um modelo 29 particular, a Lotus participou das 500 Milhas com outra invenção, o modelo 34, que daria a Clark a pole. O britânico abandonou após um acidente enquanto liderava a prova. O norte-americano Parnelli Jones, que também corria na Fórmula 1, pilotou o mesmo modelo 34 ao longo do ano em ovais nos EUA, marcando uma pole.

Jimmy Clark posa como vencedor da Indy 500 com o Lotus 38 Em 65, finalmente o investimento valeu a pena. Parnelli Jones e o legendário A.J.Foyt III (o maior vencedor da história das 500 Milhas, e um verdadeiro mito por aqueles lados) tentaram a sorte com o Lotus 34 (Jones foi segundo na prova), enquanto a equipe oficial trazia seu novo modelo 38, com Gurney e Clark. Jimmy Clark simplesmente largou em segundo e venceu a corrida depois de liderar 190 voltas, fazendo da Lotus a primeira equipe de Fórmula 1, e Clark seu primeiro campeão, a vencer em Indianápolis.

Em 66 Dan Gurney já havia fundado sua equipe Eagle para disputar o campeonato de Fórmula 1, e trouxe um chassis especial para aquela edição da Indy 500, sem muita sorte. Já a Lotus trouxe de volta o modelo 38, e novamente arrebentou: desta vez, foi Graham Hill quem levou a taça, pilotando um carro vermelho, diferente do verde e amarelo tradicional da equipe inglesa. Hill se tornou, naquele ano, o primeiro piloto a vencer o GP de Mônaco e as 500 Milhas. Em 67, Clark e Hill voltaram a Indianápolis com o modelo 38, mas naquela altura a criação de Chapman já estava ultrapassada.

O Lotus 56 foi até capa de revistaPara 1968, Chapman projetou outro bólido pensando nas 500 Milhas e em seu piloto favorito, Clark. O Lotus 56 era algo totalmente diferente do que já havia sido visto. Com a frente baixa e ampla, e um desenho que lembrava uma asa, o modelo 56 ainda contava com uma turbina imbutida na traseira. Porém, Clark morreu ainda no começo do ano. A Lotus levou dois carros, com Graham Hill e o norte-americano Joe Leonard ao volante. O futuro campeão mundial daquele ano conseguiu o segundo melhor tempo na classificação (Leonard foi o pole), mas abandonou após uma batida. Gurney, com sua Eagle, terminou em segundo naquele ano, e Denny Hulme, campeão mundial em 67, chegou em quarto pilotando outra Eagle. A Lotus, sem Clark, nunca mais voltou a Indianápolis. Mas o modelo 56 apresenta os elementos básicos do que viria a ser o Lotus 72, que não só traria o título mundial para Jochen Rindt em 70 e Emerson Fittipaldi em 72, como também alteraria para sempre a maneira como os carros de Fórmula 1 eram concebidos. Este é o legado de Indianápolis para a Fórmula 1, a própria maneira como os carros são feitos.

O M16B pilotado por Peter RevsonA McLaren também passou pela Indy 500. Em 72 a equipe, então sob controle do ex-sócio do falecido Bruce McLaren, Ted Meyer, projetou o modelo M16, procurando nas linhas gerais copiar a fórmula de sucesso do Lotus 72. Pilotado por Peter Revson (e dois anos depois, por David Hobbs, numa versão modificada do chassis), o carro não obteve bons resultados. Porém este projeto conduziu ao nascimento do McLaren M23, que também daria um título a Emerson Fittipaldi, e dois anos mais tarde, a James Hunt. Ao longo dos anos 70 e 80, as britânicas March e Lola chegaram a deixar seus projetos na Fórmula 1 em segundo plano para se dedicarem a Indy e ao mercado americano, atingindo enorme sucesso.

Hoje em dia, as especificações técnicas da Fórmula 1 são tão limitantes, que um carro com sua configuração normal não só não acompanharia um carro da IRL, por exemplo, como também não resistiria muitas voltas sem quebrar num circuito oval. Para um Fórmula 1 atual disputar uma corrida de 200 voltas em pista oval, seria preciso construir novas suspensões, freios e câmbio, repensar a aerodinâmica, obter do fabricante pneus especiais e motores inteiramente novos, não só para atingir o máximo desempenho, mas também para garantir a segurança do piloto. Sairia quase tão caro quanto fabricar um carro novo.

Existem corridas que são maiores do que as categorias a que pertencem. Indy 500 é mais antiga que a Fórmula 1, foi incluída no calendário original por sua tradição, sobreviveu à saída do calendário com o vigor de um jovem, e continuou atraindo a atenção e a ambição de pilotos e equipes do mundo inteiro. Se a Fórmula 1 disputa hoje a oitava edição consecutiva do GP dos Estados Unidos no circuito misto de Indianápolis, não é só por uma manobra política de Bernie Ecclestone para atrair o público americano - pois poderia ser em qualquer outro lugar naquele país - nem tampouco por um traçado excepcionalmente emocionante, mas porque Indianápolis é a força que faz pulsar o coração do automobilismo internacional, de todo fã do esporte, e da própria História da Fórmula 1.

Fontes: Ghostmodels.com (fotos dos modelos), Formula One Facts, 8W, Answers.com (foto da revista), Vukovich Accident (incluindo foto), Bramwell, Indianapolis 500.

Trilogia "A Geração Perdida": O grande Pierluigi Martini

Em 1984, a Toleman era dona de uma mina de ouro: Ayrton Senna vinha provando ser um piloto de grande futuro, com desempenhos espetaculares, muito acima do que a equipe esperava - os 9 pontos de Derek Warwick no ano anterior já haviam sido uma façanha digna de lançar o inglês para a Renault, e Senna vinha superando seu desempenho a cada prova. No entanto, antes do GP de Monza, quase no final da temporada, Ted Toleman descobriu que o brasileiro havia assinado com a Lotus para a temporada seguinte, e o suspendeu. Para aquela corrida, ele - que já não contava com o seu segundo piloto, o venezuelano Johnny Ceccoto, fora de combate devido a fraturas em um acidente em Brands Hatch - convidou o piloto de teste da Brabham, um italiano igualmente promissor, que vencera o europeu de Fórmula 3 no mesmo mês que o brasileiro venceu o campeonato inglês da categoria. Martini em teste pela Brabham, em 1984O italiano, que nunca havia experimentado o carro (e na verdade, mal havia guiado a Brabham em testes) ficou desconsolado ao não obter a classificação para a corrida na sua grande chance na Fórmula 1 (Stefan Johansson, também fazendo seu debut pela Toleman em Monza, terminou a corrida em quarto). Vendo que não havia escolha, Toleman chamou Ayrton de volta para as duas corridas finais, dispensando o italiano.

Esse italiano se chamava Pierluigi Martini. É aqui que começa a sua história.

Debut de Martini pela TolemanO tio de "Piero", Giancarlo, também era piloto, contudo sua maior façanha foi bater com uma Ferrari emprestada durante o warm up da Corrida dos Campeões de 1976, em Brands Hatch. Pierluigi mostrara ter um futuro mais promissor. Aos 22 anos vencera o europeu de Fórmula 3, e já tinha seus contatos na Fórmula 1. Apesar da experiência com a Toleman tê-lo deixado arrasado, ele logo se envolveu em um novo projeto para o ano seguinte.

Martini fez sua estréia na Fórmula 2 em 1982 pilotando para Giancarlo Minardi. Minardi, dono de uma equipe de sucesso no automobilismo italiano, planejava entrar para a Fórmula 1, usando exclusivos motores Motori Moderni turbo de 6 cilindros. Da esquerda para direita: Martini, Johansson, Piquet, Jacques Laffite, Alboreto, Porst e Phillipe Alliot Giancarlo queria Alessandro Nannini para seu time, mas a antiga FISA lhe recusou a superlicença. Sobrou então para a outra promessa italiana disponível. O carro era péssimo, e o motor mal era capaz de se equiparar aos poucos aspirados do grid, e só raras vezes chegou inteiro até o final. Martini se viu perdido: piloto jovem, liderando um projeto de desenvolvimento onde tudo parecia estar dando errado. Além de alguns erros (como uma batida sozinho no meio da chuva em Estoril), o carro o fez abandonar em nada menos que 12 das 16 corridas - além de não qualificá-lo para o GP de Mônaco. Segundo ele mesmo, "não podíamos dar mais do que algumas voltas com o motor, não nos permitia desenvolvê-lo". Desanimado, Martini foi demitido assim que Alessandro Nannini obteve sua habilitação e o contrato para o ano seguinte.

Martini com a Minardi em 85"Se eu tivesse tido um carro competitivo, eu não seria o Martini que sou hoje", disse ele mais tarde. O fracasso da Minardi em 85 o fez recuar para a Fórmula 3000, onde ele recomeçou sua carreira. Retornando para a mesma equipe com que foi campeão da F3, onde ali sim ele se "sentia em casa". A auto-confiança voltou, e com ela veio uma temporada memorável disputada contra Ivan Capelli - que venceria o título de 86. As coisas não deram certo em 87, e em 88 ele mudou de equipe.

Porém, Pierluigi Martini ficaria conhecido no meio como um piloto leal e trabalhador. O trauma de 85 o tornou uma pessoa fechada, avessa às luzes do estrelato que o cegaram, mas o tornou mais sério no trabalho. Foi essa a impressão que Giancarlo Minardi teve do piloto. Em 88, Nannini saltou para um novo patamar, indo para a Benetton. O espanhol Adrian Campos pedira demissão antes do GP dos EUA, e a Minardi tinha o lugar vago. Minardi apostou em sua confiança em Martini, certo de que o fracasso de 85 se devia mais ao equipamento do que ao piloto.

Ele estava certo.

Martini no GP de Detroit, onde marcaria seu primeiro pontoNo mesmo GP americano, em Detroit, de 1988, Martini se classificou 9 posições à frente da outra Minardi de Luiz Pérez Sala, e terminou nada menos que em sexto, a uma volta do vencedor Ayrton Senna, marcando o primeiro ponto da história da Minardi! A habilidade demonstrada ao longo da temporada (apesar das quebras) o fizeram assinar o contrato para 1989.

Naquele ano, a Minardi começara a trabalhar com a Pirelli. Apesar de ambos Martini e Sala - agora, seu grande amigo - terem abandonado todas as provas até o meio da temporada por problemas mecânicos e acidentes, eles vinham se classificando regularmente no "bolo" do grid - com Martini sempre à frente, e Sala, às vezes, falhando no qualifying. Mas em Silverstone, "um dia que eu não poderei esquecer facilmente", Martini conseguiu terminar em quinto, e Sala em sexto. Não foi apenas um resultado a ser comemorado, mas a própria salvação da equipe, que a partir dali fugiria da cruel pré-qualificação, a que as equipes em pior posição no campeonato eram obrigadas a se submeter nas sextas-feiras, e na qual os carros mais lentos eram logo de cara eliminados da corrida. De uma hora para outra, Martini saltara "do estábulo para as estrelas".

"Nunca se superestime. É muito difícil chegar na frente, mas é muito fácil cair novamente. Você tem sempre que ter o foco no trabalho. A coisa mais difícil não é chegar às estrelas, mas permanecer lá"

Enquanto a Pirelli desenvolvia seus pneus, Martini foi indo cada vez mais para frente do grid. No final do ano lá estava ele, disputando a pole position do GP da Austrália contra as McLarens de Senna e Prost. Martini, no carro amarelo, largando entre os primeiros no GP de Phoenix em 90Em Portugal, com ele ao volante a Minardi se viu pela única vez na liderança de uma corrida! Após o fim da temporada, durante os meses de inverno, Martini testou como nunca. E na abertura daquela temporada, na primeira fila estavam Gerhard Berger, com sua McLaren na pole position, e Pierluigi Martini, com sua Minardi ainda do ano anterior. Era a glória máxima que a equipe Minardi jamais tivera e jamais voltaria a ter.

Continuando consistentemente melhor que seu companheiro de equipe (agora, Paolo Barilla), ao final de 90 Martini havia sido contactado por equipes grandes. Embora não esteja muito claro quais eram, falava-se de McLaren, por exemplo, para o cargo de piloto de testes. Martini optou por continuar na Minardi, satisfeito por ter a sensação de estar provando a todos - e a si mesmo - ser aquilo que ele acreditava ser. Ele era agora o coração da equipe, o braço direito do chefe, e ele não deixaria isso de lado para flutuar nas estrelas.

"Quando esqueço de manter os pés no chão, não demora muito porque eu imediatamente volto e digo 'Sim, ok, eu me diverti e extravazei, tenho que voltar ao trabalho e me manter na linha'".

Martini conduz a Minardi-FerrariEm 1991, a Minardi receberia motores Ferrari V12, uma especificação anterior à usada pela própria Ferrari. Era a promessa de um salto de qualidade. Entretanto, o altíssimo consumo anulava qualquer vantagem que o motor poderia oferecer, e os problemas mecânicos tornaram a vida difícil para a Minardi. Contudo, em Imola, num dia de muita chuva, Martini saiu da nona posição e terminou em quarto, a melhor posição de chegada da história da equipe. E se alguns pensavam que o raio não poderia cair duas vezes no mesmo lugar, Martini repetiu o quarto lugar em Estoril. Apesar do sucesso, o italiano de cabelos encaracolados ficou satisfeito por ter sido seu companheiro de equipe, Gianni Morbidelli, e não ele, a ser escolhido para substituir Alain Prost na Ferrari no último GP do ano. Martini já tinha outros planos.

Martini em sua Dallara, na sua única temporada completa fora da MinardiA Marlboro pagou caro pela sua transferência para a Dallara em 1992, levando no pacote os propulsores Ferrari. Era uma casa nova, uma organização diferente, que parecia estar dando certo... mas que infelizmente tinha seu funcionamento mais ligado à publicidade do que à dedicação ao trabalho sobre os resultados de pista. Embora o carro fosse muito mais confiável, e embora Martini continuasse sendo mais rápido que seu companheiro de equipe (agora, o finlandês J.J. Lehto), ele somou apenas 2 pontos, os únicos 2 pontos que faria fora da Minardi (onde somaria 16). Ao final do ano, a Dallara foi entregue ao milionário Beppe Lucchini.

A 'máquina mortífera' de 1993A mudança total na estrutura levou Martini a ficar de fora do início da temporada de 1993. Entretanto, a "máquina mortífera" (segundo Christian Fittipaldi) da Minardi não estava bem, e Giancarlo demitiu seu segundo piloto Fabrizio Barbazza. Na procura de um substituto, não havia opção melhor do que o melhor piloto disponível. Martini estava de volta. Fittipaldi era um adversário mais duro que os anteriores, mas mesmo assim ninguém se surpreendeu quando o italiano se viu largando em sétimo no GP da Hungria, enquanto o brasileiro foi o décimo quarto - a partir daí, ao "pegar a mão" do equipamento, Martini permaneceu imbatível. A sétima colocação no GP de Monza ficou marcada pelo espetacular acidente com Christian. O brasileiro entrou na reta dos boxes colado no companheiro de equipe, já para receber a bandeirada, quando um toque fez a frente da segunda Minardi levantar fazer um looping completo no ar, caindo nas quatro rodas. O carro de Fittipaldi ainda se arrastou pela reta cruzando a linha de chegada em oitavo, mas completamente em frangalhos.

Foto oficial em 1994Em 94 Minardi se livrou de Fittipaldi, que mudara para a Arrows, e manteve Martini para fazer dupla com Michele Alboreto (a última vítima de Beppe Lucchini, na antiga Dallara, falida ao final de 93). Num ano muito difícil, onde acidentes bobos como o pneu voando do carro de Alboreto após um pit stop em Imola sinalizavam as dificuldades financeiras que atrasaram o lançamento do carro novo até o meio do ano, pouco Martini pôde fazer. E mesmo assim ele conseguiu fazer 2 corridas brilhantes em Barcelona e Magny Cours, terminando ambas em quinto, contra todas as possibilidades. Apesar de serem de gerações próximas, Martini "aposentou" ao final da temporada o veterano Alboreto, que somara apenas um ponto.

Em 95, em grave situação, a Minardi contratou Luca Badoer para fazer dupla com Martini. A situação era tão grave que a Minardi se viu, depois de anos de esforço, novamente no fundo do grid. Embora Martini continuasse com um desempenho notável, e fosse um veterano respeitado por todos do circo, Giancarlo Minardi - naquela altura, apenas um sócio minoritário reduzido a diretor esportivo - teve que apertar o cinto e demitiu Martini, ganhando certo fôlego financeiro com o português Pedro Lamy. O GP da Alemanha foi o último da carreira do italiano.

Martini comemora a vitória em Le MansFelizmente, ele continuou a correr. Em 1999, Martini, Yannick Dalmas e Joachin Winkelhock venceram as 24 Horas de Le Mans. Nos últimos anos tem participado da GP Masters. Foram 119 GPs na carreira, 107 com Minardi, 18 pontos, nenhum pódio. Quem se importa com números não se dedicaria a uma vírgula da carreira deste piloto. Martini não venceu provas, não conquistou títulos na Fórmula 1, não deixou qualquer marca memorável. Exceto a certeza de ter realizado um trabalho bem feito e ter sido um exemplo de profissionalismo e dedicação aos seus colegas.

"Todo ponto na Minardi era uma vitória". Portanto, ele foi um vitorioso, e não tem quem me prove o contrário.

Fontes: Unofficial Nelson Piquet Webpage (fotos), Site oficial da Williams (fotos), Formula One Facts (incluindo fotos), Grand Prix.com

14 junho, 2007

Trilogia "A Geração Perdida": O amável Ivan Capelli

Ivan Capelli é um sujeito legal. Ou pelo menos é o que parece, já que por onde passa deixa laços de amizade com quem poderia apenas manter relações profissionais. Foi assim desde o início de sua carreira como piloto. Após uma grande passagem no kart, onde estreou em 1978, aos 15 anos, o italiano de Milão foi para a F3 italiana, onde foi campeão em 1983 com 9 vitórias. No ano seguinte, pela equipe Coloni (sim, a Coloni foi grande fora da Fórmula 1!), venceu o europeu de F3, deixando para trás Gerhard Berger.

Em 1985 assinou com a Genova Racing para disputar a Fórmula 3000 européia. A equipe dirigida pelo italiano Cesare Garibaldi utilizava chassis March venceu apenas uma corrida, mas a dedicação de Ivan ao time impressionou o patrão.

Capelli ultrapassa Martin Brundle, o 'piloto da casa' da Tyrrell no GP da Europa em 85Impulsionado pelos resultados nos anos anteriores, antes do fim de 85 a Tyrrell lhe ofereceu um lugar para sua estréia na Fórmula 1, no GP da Europa em Brands Hatch. Foi num complicado GP da Austrália, em Adelaide, onde o recém-estreante Capelli terminou nada menos do que numa quarta colocação depois de largar em 22º.

Esta caixa de bombons era o JH21C pilotado por CapelliAinda lhe faltava o título da F3000. Em 1986, apesar de ter seu nome no mercado, Capelli persistiu com a Genova Racing. O título finalmente veio, mas antes disso a nanica AGS procurava alguém para preencher a vaga no seu único carro inscrito para aquela temporada an F1, e Capelli, o novato mais bem credenciado do momento, com um merecido suporte financeiro, foi o escolhido. Foram duas corridas apenas, em ambas abandonou com problemas. Classificar o carro (um Renault RA60 reciclado equipado com o horroroso propulsor Motori Moderni) para ambas já foi um feito notável.

Com todos os títulos mais importantes nas categorias de acesso, o italiano já estava pronto para a F1. Mas onde correr? Seu patrão na F3000, Garibaldi, e seu fornecedor de chassis Robin Herd tinham já planos concretos para chegar à Fórmula 1 ressuscitando a tradicional marca March, vitoriosa nos anos 70. Capelli foi o primeiro piloto da lista. E ele não pensou duas vezes.

A estréia foi cômica. A March chegou a Jacarepaguá, simplesmente, com um carro de Fórmula 3000! O motor Ford V8 com especificações para Fórmula 1 nem cabia no carro...

Capelli conduz o primeiro March - sem contar com o modelo de F3000 trazido para cáApesar do começo inusitado, o March 871 foi lançado na corrida seguinte, e apesar das deficiências de um projeto inteiramente novo, ao menos conseguia passar pelo cruel treino de classificação que na época ainda precisava limar os carros que excediam as 26 vagas no grid de largada. Em Mônaco uma grande performance o levou ao sexto lugar, dando a entender que a equipe tinha, afinal, algum potencial.

Na época a March não tinha realmente dinheiro para investir. De fato, em certo momento, no GP da Bélgica, eles tiveram que improvisar um motor de carros esportivos pois não haviam mais Fords em estoque! Capelli correu praticamente de graça o ano todo, e se sustentou financeiramente graças a sua participação simultânea como piloto oficial da BMW no campeonato europeu de turismo.

Em 1988 a March pretendia uma virada na sorte. Mantendo Capelli na liderança do time, contrataram Mauricio Gugelmin, campeão da Fórmula 3 inglesa, e o projetista Adrian Newey. O projeto de Newey incluía um bico curvo na parte de baixo que simulava o efeito de asa invertida e aumentava muito a estabilidade do carro em altas velocidades, um precursor do que seria a F1 na década seguinte. O único porém era o motor Judd V8, contra os poderosos turbos de McLaren e Ferrari.

Capelli abandona o GP do Japão enquanto liderava.1988 foi sensacional. Em apenas quatro ocasiões Ivan Capelli não esteve em os 10 melhores do grid (em outra ele bateu nos treinos e não largou). O péssimo motor e problemas mecânicos fizeram com que ele completasse apenas 9 das 16 provas - das quais 6 na zona de pontuação e dois pódios em Spa e Estoril. Em Suzuka abandonou com pane elétrica enquanto liderava... o único piloto com motor aspirado a fazer isso naquele ano.

Capelli já aparecia entre as apostas para futuros campeões! Mas curiosamente, o estrelato nunca o seduziu. Em 1989 permaneceu na pequena March, apesar dos olhos cobiçosos de grandes equipes. Confiando no time e aceitando ganhar pouco, Capelli se viu numa roubada: o novo motor Judd V8 era um desastre, não só em potência como em confiabilidade - ele terminou apenas duas corridas. Mesmo assim, ainda arrumou um quarto lugar no grid do GP do México.

Em momentos como esse pilotos ambiciosos teriam largado tudo e buscado times onde eles tivessem a certeza de ter ali pronto um equipamento competitivo. Mas Capelli continuou acreditando no projeto, e permaneceu na March por mais dois anos.

Em 1990 e 91 tanto o Judd como o Ilmor V10 foram uma dor de cabeça, mas não era só isso. Problemas financeiros levaram a March a vender o controle da equipe para a japonesa Leighton House No meio de 1990 Newey foi demitido. A falta de organização (e até de interesse) da empresa na equipe fez com que o brilhante CG901 de Newey fosse incapaz de se tornar um carro competitivo. O carro voava em pistas com bom asfalto, mas era terrível em terrenos ondulados, o que requeriria uma suspensão ativa, já em desenvolvimento em equipes como Williams, Lotus e Ferrari.

Capelli lidera o GP da França, à frente de ProstPorém o momento mais alto da carreira de Capelli viria nesses anos turbulentos. Após ficar de fora do grid no México de 1990 (por causa das ondulações), a March foi para a França com poucas pretenções. Contudo, durante a prova, Capelli viu-se liderando a corrida, com Gugelmin em segundo! O brasileiro teve problemas (como esperado) e abandonou, mas Capelli permaneceu firme, e só a poucas voltas do final um enlouquecido Prost passou voando com sua Ferrari para assegurar a vitória. Como se não bastassem todos os problemas, Akira Akagi, diretor da Leighton House e responsável pela equipe, foi preso no Japão por envolvimento em fraudes. O time estava desgovernado, e Capelli viu que finalmente era hora de mudar de ares.

A Ferrari demitiu Prost no final de 91 e procurava um substituto. Apesar dos esforços do competente Nicola Larini, Ivan Capelli foi o escolhido. Logo após assinar o contrato, antes do fim da temporada, Capelli voluntariamente rescindiu com a March, permitindo que Karl Wendlinger, na época apenas um novato com muito dinheiro, assumisse seu lugar e trouxesse as divisas que faltavam. Capelli ainda assessorou, de graça, a equipe e o piloto pelo resto do campeonato.

Livre do compromisso de fidelidade com a March, Capelli emergiu no cruel ambiente das grandes equipes. A Ferrari em 1992 era um monstruoso labirinto burocrático onde departamentos cheios de gente não se comunicavam entre si. O carro era completamente novo, procurando se adaptar às novas tecnologias na área da eletrônica. Desde o começo a Ferrari F92A foi um desastre, mas mesmo assim Jean Alesi ainda era capaz de pontuar com alguma regularidade e chegar ao pódio.

Capelli conduz a Ferrari F92A em MônacoCapelli era um piloto acostumado à estrutura quase familiar das equipes pequenas. Seu primeiro patrão na March o tinha quase como um filho. E agora ele se via perdido na confusão que era a Ferrari, ao mesmo tempo em que era cobrado para ser o grande piloto italiano desde Ascari. Emocionalmente abalado, Capelli protagonizou situações embaraçosas nas pistas, como quando errou a entrada da Rascasse, em Mônaco, e parou com as duas rodas direitas da Ferrari sobre o guard rail. Pela primeira vez as rodadas se tornaram freqüentes - nada menos que 4 abandonos por rodadas. Foram apenas 3 pontos contra 18 de Alesi.

Ficou claro que Capelli era um excelente piloto, mas que não se adaptaria ao clima ultracompetitivo a que os campeões precisavam se submeter. Dispensado depois do GP de Portugal, Capelli mais uma vez se valeu de uma amizade adquirida nas pistas para arrumar um novo emprego: Ian Phillips, o novo manager da Jordan, era seu amigo dos tempos de March. Capelli, agora um veterano, faria então dupla com o novato Rubens Barrichello. Porém, após uma prova difícil em Kyalami, era nítido que o seu ânimo não era mais o mesmo e que seu foco não estava nas pistas. Mais claro ainda ficou quando Capelli foi incapaz de classificar sua Jordan para o GP do Brasil. O que os jornais comentavam é que Capelli estava apaixonado, e por isso seu foco não estava nas pistas.

Capelli, o carequinha sorridente, participa de evento de Kart em 2005Após aquele fim de semana, ele procurou Eddie Jordan, agradeceu pela oportunidade, e, com acordo de ambas as partes, pediu demissão. Foi a última vez que o ex-futuro campeão, que escalou sua trilha com a ajuda de amigos, que foi fiel aos que lhe davam oportunidades de buscar um sonho, sentou num Fórmula 1. Hoje, muitos anos depois, recuperado do golpe que foi a temporada na Ferrari, Capelli voltou a ser a figura amistosa que cativou fãs e amigos ao longo da carreira. Muito tempo após a tormenta, seja trabalhando como comentarista da RAI Uno ou apenas em suas constantes presenças pelo paddock, o amável Ivan voltou a sorrir.

Fontes: Grand Prix, Wikipedia, Grand Prix Racing, Formula One Facts (incluindo as fotos), F1 Rejects, Go-KartTV (foto).