31 julho, 2007

Diretas Já em Jacarepaguá

O movimento pela democratização do Brasil Essa história toda dos jogos Pan-Americanos, as vaias e aplausos aos políticos nas tribunas de honra e a sua repercussão na imprensa durante todo o evento, me lembrou de outra manifestação popular importante contra o stabilishment político nos anos 80, o movimento Diretas Já.

Estávamos no final da gestão do então Presidente Figueiredo, após 20 anos de ditadura militar. O crescimento da insatisfação popular com o regime militar, o fortalecimento dos sindicatos, a anistia política e o crescimento dos políticos de centro e esquerda culminou com este movimento, grandemente divulgado pela grande imprensa, que pedia pelas eleições diretas para Presidente da República - até então eleito pelo Colégio Eleitoral, ou seja, pelo voto dos deputados federais. Infelizmente não foi daquela vez que o povo pôde exercer o direito ao voto, adiado por mais cinco anos, mas foi determinante para a escolha de um presidente alinhado com a oposição ao regime - Tancredo Neves - em detrimento ao candidato apoiado pelos militares - Paulo Maluf.

O que isso tem a ver com a Fórmula 1? Quando a temporada de 1984 começou no Grande Prêmio do Brasil, em Jacarepaguá, o comitê do movimento Diretas Já em parceria com a Rede Globo instalou, em alguns pontos do circuito, balões, daqueles grandes presos ao chão por cordas, com os dizeres Diretas Já. Durante todo o ano, na abertura das transmissões da Fórmula 1 pela Globo, esses balões sempre apareciam no final da vinheta. Ou seja, o GP do Brasil foi um dos grandes meios de divulgação do movimento.

Não foi a primeira nem a última vez que um esporte (íncluindo a própria Fórmula 1) foi usado como veículo de propaganda política. A própria eleição da Hungria comunista para sediar um Grande Prêmio - um evento essencialmente capitalista! - em 1986 foi um, digamos, cutucão na dominação político-econômica já fragilizada da antiga União Soviética no Leste Europeu.

Eu lembrava disso tudo e achava cômico como a estas vaias, mais motivadas pela irreverência carioca do que por uma ideologia política de massa, tenha sido dada tanta importância. Os tempos mudaram.

22 julho, 2007

Markus Winkelhock Facts

Markus Winkelhock a partir de hoje tem história para contarEu não resisti. Neste fim de semana acompanhamos a estréia de Markus Winkelhock na Spyker, no Grande Prêmio da Europa, em Nürburgring. Não tenho dúvidas que seria um estréia até embaraçosa, pois Winkelhock nunca obteve resultados de grande relevo em categorias secundárias (jamais foi campeão em Fórmula), e, mesmo já tendo testado por Jordan, Midland e pela própria Spyker neste ano (ou seja, com conhecimento do equipamento), foi mais de um segundo mais lento do que o seu companheiro de equipe Adrian Sutil no treino classificatório do sábado, obtendo o último tempo.

Só que hoje São Pedro resolveu se divertir.

Antes da largada uma núvem negra se aproximava do circuito. Com o estreante largando em último, a Spyker resolveu arriscar e o calçou com pneus de chuva, embora a pista ainda estivesse seca, fazendo-o largar dos boxes. Assim que foi dada a largada, um temporal desabou, e enquanto todo o grid, com pneus para pista seca, derrapava nas curvas, a Spyker de Markus deslizava suave. Na segunda volta, quando todos estavam trocando pneus, o alemão ultrapassou a vacilante Ferrari de Kimi Raikkonen e assumiu a ponta. Uma volta depois, ainda liderando, entrou o safety car, e em seguida a corrida foi paralisada. No seu reinício, liderada pelo SC, Winkelhock puxou a fila por mais três voltas, até que na bandeira verde ele não resistiu a Felipe Massa, Fernando Alonso, e todos os outros que vinham atrás. O alemão abandonou pouco depois com problemas hidráulicos. Como eu torci para o diretor cancelar a prova naquela paralisação, concedendo a vitória a Winkelhock!

Mas olhando por outro lado (pois como diria Nélson Rubes, "eu aumento mas não invento")...

-Estreante, em casa, larga dos boxes com o pior carro do grid.
-Em menos de uma volta e meia ultrapassa uma Ferrari e se torna líder da corrida.
-Ficou uma volta à frente de Lewis Hamilton, o líder do campeonato.

Então lá vai o Markus Winkelhock Facts:

-Markus Winkelhock liderou sua segunda volta na Fórmula 1 com o pior carro do grid. Ele ficou com pena de Jacques Villeneuve, cujo único recorde é ter liderado sua primeira volta na Fórmula 1, e por isso resolveu largar em último.

-Markus Winkelhock não deve permanecer por muito tempo na Spyker. Ele não é mais tão jovem e quer dar a oportunidade aos pilotos mais novos.

-A maior parte dos pilotos é capaz de passar uma corrida inteira sem conseguir passar por Kimi Raikkonen. Markus Winkelhock só precisou de duas curvas.

-Markus Winkelhock, na relargada, permitiu a ultrapassagem de Massa e Alonso, pois ele não está disputando o título mundial. Ainda.

-Markus Winkelhock é mais conhecido como filho do ótimo Manfred Winkelhock. Porque se tivesse nascido na família Schumacher, teria ofuscado a carreira de Michael.

-Quando terminou a corrida, houve uma discussão acalorada entre o vencedor Alonso e o segundo colocado Massa sobre como deter Markus Winkelhock.
---Massa disse a Alonso "Vê se aprende", aludindo ao fato de Alonso nunca ter liderado uma corrida com a Minardi.

21 julho, 2007

Cabeza de Vaca-mania, já pensou?

Alfonso Antonio Vicente Eduardo Angel Blas Francisco de Borja Cabeza de Vaca y Leighton Carvajal y Are, o Marquês de Portago à bordo de uma Ferrari No dia 12 de maio fizeram 50 anos desde que Alfonso de Portago disputou sua derradeira corrida, a Mille Miglia de Mantua, na Itália, morto após sofrer um acidente ao volante de uma Ferrari, matando também seu co-piloto Edmund Nelson e 10 espectadores, entre eles 5 crianças.

Um final trágico, mas de certa forma adequado. Alfonso Antonio Vicente Eduardo Angel Blas Francisco de Borja Cabeza de Vaca y Leighton Carvajal y Are, o Marquês de Portago, foi um autêntico playboy que viveu sua vida fazendo o que gosta, e aceitando os riscos de suas escolhas. Nascido em Londres em 1928, filho do décimo sexto Marquês de Portago e de uma aristrocrata irlandesa radicada em Nova Iorque, afilhado do Rei Alfonso XIII da Espanha, Alfonso teve literalmente um berço de ouro.

Criado em meio à decadente aristocracia européia dos anos 30, desenvolveu um estilo de vida extravagante e aventureiro. Apesar de casado cedo com uma milionária americana, teve seus casos com modelos e atrizes de cinema. Mas acima de tudo, Alfonso era fanático por esportes radicais - ou pelo menos, os mais radicais para a época.

Com muito dinheiro para gastar, começou sua carreira de aventuras vencendo uma aposta de 500 dólares ao voar com um pequeno avião sob uma ponte. Depois, amante de cavalos, disputou várias corridas famosas na Europa, além de se dedicar ao polo. Também era um nadador de boa reputação.

Em 1953, induzido pelo mesmo Edmund Nelson, que o acompanhou em sua corrida fatal, Alfonso disputou sua primeira corrida de carros, no México. No ano seguinte, Harry Schell - que mais tarde se aventuraria como construtor de carros de Fórmula 1 - o encorajou a comprar uma Ferrari para dividir com o britânico em provas de turismo. Ele adquiriou o bólido de Luigi Chinetti, um antigo vencedor das 24 Horas de Le Mans, durante uma feira de automóveis em Nova Iorque. Disputando provas com Harry Schell entre 1954 e 55, de Portago revelou-se um piloto "brutal e muito corajoso", como diz Francisco Javier González em um artigo. Isso atraiu a atenção de Enzo Ferrari, que concordou vender ao nobre espanhol um modelo de Fórmula 1. O carro não durou muito, já que Alfonso se arrebentou com ele numa corrida extra-campeonato em Silverstone, fraturando uma perna.

Recuperado do acidente, ele se viu contratado pela Ferrari como um dos pilotos da fábrica.

Alfonso lidera o time espanhol de Bobsleigh nas Olimpíadas de Inverno de 1956Nesse ponto, um parêntese. Em meio ao sucesso nas corridas internacionais, Alfonso de Portago se reuniu com alguns jovens amigos da nobreza espanhola e montou um time de bobsleigh para disputar as Olimpíadas de Inverno de 1956. Sem qualquer experiência nesse tipo de competição, Alfonso e o time espanhol conquistaram um quarto lugar na competição, o primeiro, o melhor, e o único resultado da Espanha nessa modalidade.

De volta às pistas. Já piloto Ferrari, em 1956 o playboy espanhol se metia na maior de suas aventuras: seria um dos cinco pilotos a disputar o Campeonato Mundial de Fórmula 1 pela Ferrari, alinhando ao lado de ninguém menos que Juan Manuel Fangio, Peter Colins, Luiggi Musso, e Eugenio Castellotti. Correndo com os modelos D50 da Lancia - que a Ferrari adquirira ao final do ano anterior - na sua primeira prova, em Reims, vencida por Colins, de Portago abandonou, depois de largar em nono (curiosidade: na quinta posição largou ninguém menos que o legendário Colin Chapman, futuro fundador da Lotus).

Alfonso de Portago alfineta a Ferrari por lhe ter tirado a possibilidade de um bom resultado em SilverstoneEm Silverstone, a glória. Largando em décimo segundo, e disputando a prova pau a pau com Fangio e Moss na terceira posição, a Ferrari o chamou para os boxes. Colins, que naquela altura tinha chances de disputar o título, havia acabado de abandonar com um vazamento de óleo, e, segundo as regras da época, o Comendador ordenou a de Portago que cedesse seu carro ao britânico. Com a quebra de Moss, Colins terminou em segundo, dividindo os pontos meio a meio com o espanhol. Irritado por ter que trocar de lugar, Alfonso, no final da corrida, foi até o carro que Castelloti havia quebrado, empurrou-o até próximo à linha de chegada, sentou-se no cockpit, e acendeu um cigarro. Quando Fangio passou recebendo a bandeirada da vitória, o Marquês só empurrou o carro alguns centímetros para terminar a corrida em décimo.

Dois acidentes impediram que ele completasse as provas em Nürburgring e Monza. Mas paralelamente à Fórmula 1, o Marquês conquistava grandes resultados com a Ferrari em provas de turismo (4 vitórias ainda em 56), em parcerias ilustres, como Phil Hill, Mike Hawthorn, e o seu amigo Edmund Nelson. Isso garantiu seu lugar na equipe para o ano seguinte. E com a saída de Fangio para a Maserati, talvez o Marquês pudesse até aspirar às vitórias!

Mas como no ano anterior, ele não foi escalado para correr a prova de estréia, na Argentina. Mas mesmo assim sua presença foi requisitada. O piloto da casa e um dos favoritos do Comendador, o grande José Froilán González, teve problemas na volta 49 e foi substituído pelo espanhol, que conduziu a Ferrari ao quinto lugar. Os dois novamente dividiram os pontos.

Enquanto isso, os resultados nas corridas de turismo continuavam aparecendo. Cinco dias antes de sua morte na Mille Miglia, ele havia vencido com a Ferrari a Coupe de Vitesse.

Restos do carro de Alfonso de Portago e Ed Nelson na Mille Miglia de 57Como eu disse no começo do texto, o acidente que lhe tirou a vida foi bem ao seu estilo: trágico, dramático, radical. Por causa dele, a Mille Miglia nunca mais foi disputada, e Enzo Ferrari enfrentou um processo criminal que durou 4 anos. Um playboy que aproveitou a vida até a última curva, mas com o mesmo talento e determinação - talvez, com mais excentricidade, e menos seriedade - dos grandes pilotos do seu tempo. "Se morrer amanhã", disse, "terei vivido maravilhosos 28 anos". Mais de 40 anos antes da chegada de Fernando Alonso à Fórmula 1, Alfonso de Portago poderia ter se tornado um dos grandes ídolos do esporte no seu país e no mundo.

Nas palavras do grande Stirling Moss: "Se Portago continuasse a correr, teria chegado a ser muito bom. Acho que Fon era um bom piloto, mas que não levava as coisas muito a sério. As corridas de automóveis não são o mesmo que uma estância de esqui em Cresta. Fon queria se divertir, e era essa uma das razões porque o público o amava. Estava sempre brincando. Se tivesse seguido por mais dois anos..."

Fontes: www.motorsportphotos.de, CarsNTravel.com, Paddock Club (fotos e uma entrevista maravilhosa com o próprio), 8W (foto), Slotcenter.

14 julho, 2007

Jos Verstappen e o canto do cisne da Simtek

Jos Verstappen tem uma torcida pessoal das mais fanáticasQuando eu soube que Christijan Albers perdeu o lugar na Spyker, fiquei um tanto desapontado por saber que o principal piloto holandês da categoria nas últimas décadas, e da mesma nacionalidade da equipe, Jos Verstappen, não estava cotado entre os candidatos à vaga. Bom, é certo que ele já está meio "velhinho" (35 anos), mas mesmo assim continua em atividade no time holandês da A1GP. Será que faltou patrocinador? Afinal, a Spyker já declarou estar leiloando a vaga a quem puder pagar mais.

Verstappen não teve uma carreira das mais brilhantes. Começou impressionando em testes com a McLaren no final de 93, e em 94 estreou na Benetton. Verstappen foi um piloto itinerante, mudando de equipe a cada temporada e jamais tendo condições de brigar por boas posições.

Vale lembrar o grande momento da sua carreira, na minha opinião. Era o Grande Prêmio de Buenos Aires, no circuito Oscar Galvez, em 1995. O holandês pilotava nada menos do que a Simtek, a mesma cadeira elétrica que foi reprovada no crash test no início de 94, a bordo da qual morreu Roland Ratzemberger e que quase levou também o italiano Andrea Montermini um mês depois, a mesma cadeira elétrica que só conseguiu participar de todas as provas de 94 porque sua "rival", a Pacific, era lenta demais e ficava quase sempre de fora dos 26 a largar. Mas enfim, parece que as coisas mudaram um pouco de um ano para o outro, apesar do orçamento mais curto, pois naquele dia Verstappen largava na décima quarta posição, seis posições à frente de Mimo Schiatarella, seu companheiro de equipe.

Verstappen segue no bolo com o primeiro carro roxo com a inscrição XTC em amarelo.Era um domingo cinzento. Lembro que Carlos Reutemann sentou numa Ferrari de 94 para umas voltas de exibição antes da corrida, e cravou um tempo suficiente para largar em 14º ou algo assim, para delírio da torcida. Na largada David Coulthard pulou na pomta, Eddie Irvine se envolveu num acidente com Mika Hakkinen e Jean Alesi, que fez corrida brilhante chegando em segundo. Verstappen largou bem e foi conquistando posições. E não apenas porque ele havia escapado do acidente: em poucas voltas ele assumiu a quinta posição, ultrapassando a Ferrari de Gerhard Berger no final da reta dos boxes! Foi a cereja do bolo! Lembro de assistir pela televisão de achar tudo muito surreal.

Foi uma pena quando, na volta 23, o motor Ford Cosworth da Simtek estourou e o holandês teve que abandonar a prova. Schiatarella terminou em último. Foi o canto do cisne da Simtek. Três corridas depois a equipe fechou as portas por falta de dinheiro, pois a MTV retirou seu patrocínio. Verstappen correu até 2003, algumas vezes apenas tapando buraco de algum piloto demitido. Mas se eu fosse ele, de todas as mais de 100 provas, lembraria sempre daquela em que a mágica quase aconteceu, um dia em que a Simtek quase deu certo nas minhas mãos.

07 julho, 2007

O Conde de Dumfries

Johnny Dumfries e seu belo Lotus 97T número 11 em JacarepaguáForam míseros 3 pontos contra 55 de Ayrton Senna, seu companheiro de equipe. Por causa daquela temporada de 1986, por toda a vida eu achei que Johnny Dumfries era um dos piores pilotos que já passaram pela Fórmula 1. Mas investigando um pouco mais, descobri que não só ele não é, nem de perto, o piloto fracassado que eu pensei que fosse, e nem sequer uma pessoa como as outras.

Se o título de campeão mundial nem passou perto, ao menos ele nasceu com outro: o escocês John Colum Crichton-Stuart é o 7o. Marquês de Bute, e, até 1993, também o Conde de Dumfries. John descende tanto dos Tudor (a família real inglesa) como dos Stuart (a família real escocesa). Seu pai, John (aliás, todos os seus 5 últimos ancestrais tinham o mesmo nome, e seu único filho homem também) o mandou para os estudos, mas aos 19 anos Johnny resolveu abandonar temporariamente a pompa da nobreza britânica e seguir sua verdadeira paixão: o automobilismo. E naturalmente, ele foi atrás da categoria mais nobre, a Fórmula 1. Em 1977 foi indicado pelo seu primo Charlie, que trabalhava para a Williams na parte de contatos publicitários, a Frank Williams para dirigir um dos caminhões da equipe. "Era uma situação estranha empregar alguém da realeza, mas sua atitude era normal e natural, e ele deixava as pessoas à vontade" lembra Frank. Segundo o chefão da Williams, Johnny era alegre, trabalhava duro (usava sempre botas de pedreiro), e era uma pessoa muito direta. Até por isso, ao invés de se referir a si mesmo com toda formalidade que sua posição tradicionalmente requer, o escocês passou a usar um nome mais simples: Johnny Dumfries.

A carreira começou para valer a partir de 1980, no kart. Seu primeiro kart tinha motor de Lambretta, e uma das quatro rodas também! Naquele ano sofreu um acidente e quebrou os dois tornozelos. Enquanto se recuperava no hospital, recebeu um telegrama assinado por Frank Williams, Alan Jones e Clay Regazzoni, que dizia: "certamente será a primeira de muitas". Passando para a Fórmula Ford 1600, passou 2 dois anos progredindo notavelmente.

Num treino em Oulton Park, Eddie Jordan - já comandando sua equipe - protestou contra o motor de Dumfries que estaria adulterado. O escocês trocou o motor, e a partir dali começou a vencer corridas. Até hoje Jordan, quando o encontra, aponta para ele e diz "Johnny, eu fiz você".

Dumfries testa um Lola para a Fórmula 3, em 83Em 1983 chegou à Fórmula 3 inglesa, onde foi massacrado pelo duelo Ayrton Senna-Martin Brundle, embora em uma corrida, em Silverstone, tenha duelado com o brasileiro pela vitória (Senna o jogou para fora da pista quando Dumfries tentava ultrapassá-lo, mas ele voltou e permaneceu na sua cola até o acelerador quebrar). Mas em 84 ele teve seu grande ano. Competindo simultaneamente no campeonato inglês e no europeu da categoria, Dumfries foi campeão britânico com nada menos que 10 vitórias. No europeu, levou a disputa pelo título até o final, perdendo para Ivan Capelli - mas deixando em terceiro um certo Gerhard Berger.

Dumfries a bordo de uma FerrariO desempenho atraiu a atenção de grande equipes de Fórmula 1, e passou o ano de 84 testando para Brabham, Williams, McLaren e Lotus. Em 85 assinou contrato de exclusividade com a Ferrari como piloto de testes, enquanto competia no primeiro campeonato da Fórmula 3000 com a Onyx. E a grande chance viria no ano seguinte, com a Lotus.

Mas nem tudo são flores. Por trás daquele desempenho pífio na sua única temporada estavam problemas graves de ordem técnica, política e administrativa. A Lotus naquele ano começava a dar sinais de fraqueza, e no final de 85 ela estava nas mãos de seu patrocinador - a John Player Special - e curiosamente do seu piloto mais novo e mais talentoso, Ayrton Senna. Senna sempre foi um político agressivo na sua carreira, e durante 1985 ele tratou de minar Elio de Angelis, tanto exercendo pressão psicológica sobre a equipe como mostrando maior competência na pista, fazendo o italiano procurar outro time para o ano seguinte depois de 5 anos na Lotus. A vaga aberta fez com que a JPS pressionasse o diretor da equipe, Peter Warr, a aceitar um piloto britânico, e o favorito era Derek Warwick.

Warwick era um piloto de talento reconhecido no circo, com mais experiência, e que estaria chegando após dois anos como piloto da Renault. Poderia ter ido para a Williams em 1985, mas a desconfiança no projeto da Honda o fez recusar a proposta - Frank contratou Nigel Mansell no seu lugar. Não creio que Senna desconfiasse de seu próprio talento para superar Warwick na pista, mas a chegada de um inglês com apoio do patrocinador e do fornecedor de motores significava que a equipe teria que dividir atenções. Sabendo da má fase administrativa pela qual passava a equipe, Senna sabia que ela só teria condições de colocar um dos carros em ponto de bala para lutar por vitórias, e a divisão dos esforços significaria que ele seria empurrado para trás no grid com equipamento ruim. Por isso Senna vetou a transferência de Warwick, ameaçando seguir Elio de Angelis (que coisa) e ir para a Brabham se o inglês fosse contratado. Consultado sobre quem seria o piloto ideal, Senna indicou seu amigo Maurício Gugelmim. Mas como Maurício ainda não tinha qualquer experiência - e nem era britânico - Senna voltou atrás e indicou o piloto de testes da Ferrari, o seu rival naquela corrida chuvosa em Silverstone.

Não foi uma escolha cega da equipe. Dumfries construiu uma sólida reputação como test driver, embora lhe faltasse aquele toque de genialidade que fazem os pilotos vencedores. Com isso, a JPS tinha seu piloto britânico, Senna tinha um companheiro que não o iria incomodar, e o escocês tinha um carro para realizar seu sonho.

Dumfries perdido no meio do Será que tinha? Na estréia no Brasil, o Conde escocês largou em oitavo e vinha entre os 6 primeiros quando o carro número 11 quebrou. E as quebras se tornaram uma constante durante o ano. A verdade é que a Lotus só tinha condições, realmente, de preparar um dos carros para disputar as primeiras posições. O outro carro recebia componentes usados, de versões anteriores, ou até mesmo sem condições de uso - a Lotus usou Dumfries para testar um novo câmbio de 6 marchas... em plena corrida (segundo ele, com essas palavras, "era uma merda")! Eram dois carros totalmente diferentes, e isso era evidente na pista - nem Michael Andretti teve um desempenho tão abaixo de Senna, entre todos os seus companheiros de equipe, e era claro que isso não era natural. Os problemas da equipe eram tais que mesmo o carro especialmente preparado para Senna o deixou na mão diversas vezes. Sua melhor corrida naquele ano foi o memorável GP da Hungria, quando conseguiu levar seu carro até o final na quinta colocação. O terceiro ponto veio com o sexto na última corrida, na Austrália, onde Senna ironicamente abandonou com o motor estourado.

No final do ano, a JPS deixou a Lotus, e com isso o patrocinador que garantia sua vaga não existia mais. Em 87, a Honda trazia no pacote Satoru Nakajima, e o escocês foi demitido. Embora tivesse cometido poucos erros e mostrado uma habilidade na média da concorrência, os 3 pontos contra os 55 de Senna (incluindo duas vitórias espetaculares em Jerez e Detroit) pesaram contra, e Dumfries ficou sem lugar no ano seguinte.

Dumfries ao lado de Alessandro Nannini iniciando testes com a Benetton em JacarepaguáJohnny Dumfries continuou na Fórmula 1 como piloto de testes da Benetton entre 1988 e 90, desenvolvendo seu projeto de suspensão ativa.

O célebre Silk Cut Jaguar XRJ-9 vencedor em Le Mans em 1988Em 1988 alcançou a glória vencendo as 24 Horas de Le Mans pilotando a histórica Jaguar XJR-9 ao lado de Jan Lammers e Andy Wallace, e até 1992 disputou o Campeonato Mundial de Esporte-protótipos (em 89 e 90 foi o líder da equipe Toyota). Em 89, durante as 24 Horas, Dumfries teve problemas com a suspensão de seu carro. Com o bólido encostado na pista, ele desceu e começou a concertar a suspensão quebrada ali mesmo. Boa parte dos mecânicos da equipe se juntaram na beira da pista, mas eles se seguravam para não mexer no carro para não sofrerem uma desqualificação. Após duas horas e sob muitos aplausos, Dumfries conseguiu fazer o carro andar novamente, pelo menos para ir até os boxes. Mas quando ele foi acelerar, a roda enroscou um cabo de uma câmera que havia passado por ali, e quebrou tudo de novo.

A Mansão de Dumfries, casa dos Condes de Dumfries desde o século XIXEntre 91 e 92, Dumfries estava tentando acertar sua ida para a Indy, mas problemas financeiros de seu patrocinador - ele nunca correu com o próprio dinheiro - e com a equipe o fizeram desistir das corridas de automóvel. Depois de se aposentar, Johnny Dumfries - que mudou seu nome "artístico" para John Bute - passou a se dedicar aos negócios da família quando seu pai ficou doente, e também e às artes plásticas, ganhando boa reputação como pintor e decorador (o ex-piloto de Tyrrell e Lotus Julian Bailey, ao conhecê-lo, achou que "ele certamente fala como um decorador"). No Festival da Velocidade de 2000, em Brands Hatch, Dumfries apareceu com o Jaguar com o qual venceu em Le Mans - durante uma volta, errou uma freiada e subiu com o carro morro acima até bater. Johnny apenas levantou as mãos e as levou ao capacete em desespero pelo carro perdido. Em abril passado, Dumfries colocou a antiga casa da família - em Dumfries, Escócia - à venda, com o valor inicial de 13,5 milhões de dólares. Foi vendida dias atrás a um grupo interessado em sua preservação liderado pelo próprio Príncipe Charles.

Embora a passagem pela Fórmula 1 tenha sido rápida e discreta, talvez a pior fase de sua carreira como piloto, ele guarda até hoje recordações daquele tempo. Ao final da sua última corrida, na Austrália, os mecânicos da Lotus fizeram uma pequena festa e o presentearam com uma escultura feita de pedaços de uma caixa de câmbio quebrada, reconhecendo o esforço e o trabalho limitados pelo péssimo equipamento que tinha nas mãos. Se ele passa compreensivelmente esquecido até na memória dos mais fanáticos, pelo menos de mim ele ganhou o respeito - pesquisar a biografia dele foi uma delícia. Segundo Mark Blundell (resgatado por Dumfries de uma pancadaria num bar no México), "ele é um Top Banana. É o máximo que alguém pode chegar na minha lista!"

Fontes: Johnny Dumfries Official Website (os depoimentos dos amigos são impagáveis), Wikipedia, 8W (incluindo fotos), Site oficial do Príncipe de Gales, Wheels Archives (foto), Telegraph, Formula 3 History (foto), Formula One Facts (fotos).