O último duelo da década de 80
A década de 80 é a década da minha infância, e a década em que a Fórmula 1 se tornou, no Brasil, um esporte amplamente conhecido, pelas transmissões regulares dos Grandes Prêmios pela televisão e grande cobertura em jornais e revistas (que eu diria, neste último aspecto, muito maior do que atualmente). Aliado a isso, tivemos a ascensão de dois pilotos da maior importância, Nélson Piquet e Ayrton Senna, que se tornaram astros do esporte no Brasil com suas atuações e títulos mundiais. Polarizando as atenções do público tupiniquim, Nélson e Ayrton travaram duelos e estabeleceram rivalidades (que a imprensa adorava aumentar e instigar a cada oportunidade) com os outros grandes pilotos de seu tempo: Piquet x Reutemann, Piquet x Mansell, Senna x Prost, Senna x Piquet. Foi uma década cheia desses encontros nas pistas, disputas acirradas por freiadas, pontos e títulos.
Piquet era mais velho que Senna, e o seu auge na Fórmula 1 (entre 1981 e 1987) não coincidiu com o pico de desempenho do compatriota (entre 1988 e 1994). Nelson havia passado dois anos difíceis na Williams, dividindo as atenções da equipe com Nigel Mansell. No final da década, Piquet pilotava uma Benetton, que ainda procurava escapar do estigma de equipe média (na época, se acotovelando entre Williams e Tyrrell), enquanto Senna travava um duelo escarniçado contra Prost por títulos no três últimos anos do decênio. Em 1990, as atenções estavam voltadas para Senna, enquanto alguns questionavam quando Piquet iria se aposentar. O "encontrão" do piloto da McLaren em Alain Prost na largada do Grande Prêmio do Japão, que resultou no segundo título mundial do brasileiro, foi o centro de todas as discussões envolvendo Fórmula 1 por várias semanas. Enquanto isso, naquela mesma corrida, com o abandono da outra McLaren de Gerhard Berger e da Ferrari de Nigel Mansell, Piquet obteve uma vitória casual, depois de 3 temporadas de jejum, seguido pelo recém contratado companheiro de equipe, Roberto Pupo Moreno. Essa vitória com cara de "canto do cisne", exceto entre o círculo fiel de fãs de Piquet, acabou em segundo plano pelas circunstâncias do campeonato.
Se você leu até aqui achando que o título do texto se refere a algum episódio da saga Senna x Prost, como se esperava que fosse, se enganou. Me deixe levá-lo até Adelaide, onde foi disputado o Grande Prêmio da Austrália, o Grande Prêmio número 500 da Fórmula 1, o último da década de 80.
Como de hábito, McLarens e Ferraris dominaram os treinos, largando nas duas primeiras filas (Senna, Berger, Mansell e Prost, nesta ordem). Em quinto vinha a sempre intrometida Tyrrell de Jean Alesi, em sexto a Williams de Riccardo Patrese, e Piquet em sétimo. Ao final da primeira volta o brasileiro da Benetton é o quinto. Com ultrapassagens sobre Prost e Berger no final do retão (a despeito da inferioridade do seu motor), ele sobe para terceiro. Enquanto isso, Mansell apertava Senna pela liderança da corrida. Porém, o inglês sofreu um grande desgaste nos pneus, e ficou para trás. Piquet se aproximou e tomou-lhe a segunda posição com uma bela ultrapassagem no final da reta dos boxes. Mansell continuou perdendo rendimento, e depois de uma rodada, trocou os pneus.
A corrida vinha morna, quando Senna teve problemas no câmbio, e sem conseguir reduzir as marchas, passou reto e foi pro muro. Piquet assumiu a liderança. Mansell, com pneus novos, passou por Berger e Prost sem dificuldades, e, fazendo os melhores tempos entre todos, voou para cima da Benetton. O encontro veio a oito voltas do final.
Pela primeira vez desde 1987, Nélson Piquet e Nigel Mansell protagonizariam o que seria o derradeiro embate de uma das grandes rivalidades da década. Mansell vinha muito veloz, enquanto Piquet, como os outros, lutava para se manter na pista com pneus velhos. O brasileiro tentava usar o tráfego para atrasar a aproximação da Ferrari, mas Mansell nunca foi de perder tempo com retardatários. Na última volta, Mansell se aproveita de uma manobra do líder sobre a Brabham de Stefano Modena para tentar uma ultrapassagem por dentro na freiada após o retão. "Eu sabia que voaria merda no ventilador", disse Piquet, se referindo à manobra com o Leão, que por um triz não jogou os dois para fora da corrida - ele puxou para a linha de dentro para fazer a tomada da curva, forçando uma freiada brusca da Ferrari, que perdeu a linha de tangência e passou reto, a centímetros do pneu traseiro direito da Benetton. Piquet assegurou a posição e venceu a prova, com Mansell em segundo e Prost em terceiro.
Talvez este tenha sido o epílogo emblemático de uma era, e talvez possa ser, justamente, lembrado como a última batalha entre Nélson Piquet e Nigel Mansell nas pistas. Em 1991 os dois rivais seguiram caminhos diferentes, com Piquet, em seu último ano, preso a uma Benetton que era apenas a quarta força entre os construtores (a despeito da vitória no Canadá) e Mansell a disputar o título mundial com a Williams.
Fontes: Formula One Facts (fotos) F1 1990 FIA Review - 16 Australia (vídeo em inglês); Melhores momentos do GP da Austrália de 1990 (vídeo em português).
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