O ano que não terminou
1968 foi um ano de grandes acontecimentos no mundo. "O ano que não terminou" se tornou um jargão (além de ser o título do livro de Zuenir Ventura 1968: O ano que não terminou) entre aqueles que viveram os conflitos entre a geração jovem de 68 e a geração anterior, bem como os protestos entre os que defendiam as liberdades individuais e coletivas contra a opressão de regimes políticos autoritários mundo afora, em alusão às mudanças sociais que se estabeleceram desde então. Começou com a eleição do comunista moderado Alexander Dubcek à presidência da Tchecoslováquia, inaugurando a Primavera de Praga, esmagada em agosto sob o peso do aço dos tanques do Pacto de Varsóvia. Nasciam as primeiras comunidades hippies, e a juventude americana protestava contra a guerra no Vietnã, ao mesmo tempo em que a luta pela igualdade de direitos civis entre brancos e negros explodia naquele país - culminando com o assassinato do reverendo Martin Luther King. Em maio, protestos estudantis, feministas, e greves quase derrubam o governo "linha dura" de Charles de Gaulle, enquanto no Brasil, experimentando o início relativamente brando de um período de ditadura militar, a música popular se transformava em válvula de escape contra a repressão com suas canções de protesto interpretadas em festivais por novatos como Chico Buarque, Caetano Veloso e Geraldo Vandré.Na Fórmula 1, 1968 foi um ano de revoluções duradouras, algumas permanentes. Começou com o domínio avassalador do melhorado Lotus 49 equipado com motor Ford DFV de 8 cilindros, conjunto que já havia revelado seu potencial em 67, mas sofreu com quebras mecânicas constantes. Jim Clark venceu a prova de abertura em Kyalami, mas quatro meses depois faleceu em um acidente num Lotus de Fórmula 2. A perda de Clark foi sentida entre pilotos e dirigentes de uma forma jamais vista. Clark era, para seus próprios adversários, inatingível, perfeito, o melhor de todos, e o acidente fatal (causado, talvez, por um furo de pneu ou uma quebra de suspensão, ou mesmo por uma convulsão de Clark ao volante nas longas retas de Hockenheim) era inexplicável. O vácuo deixado pela perda de Clark foi rapidamente preenchido pelo seu companheiro de equipe, Graham Hill, que venceu as duas provas seguintes, mais a corrida de encerramento, no México, onde sagrou-se bicampeão mundial - a última grande temporada do piloto inglês. Hill devolveu o ânimo à Lotus, que continuaria revolucionando a Fórmula 1 por toda a década seguinte.
A morte de Clark coincidiu com a ascenção de Jackie Stewart. O escocês trocara a decadente BRM pela novata equpe Matra, dirigida por Ken Tyrrell. Com duas vitórias, Stewart foi vice-campeão, e prepararia o terreno para um período de 5 anos em que ele seria o piloto a ser batido na categoria. Outra equipe que assumiu seu lugar entre as grandes foi a McLaren. Pela primeira vez a Ford cedia motores DFV para outra equipe além da Lotus, e sua nova cliente, a McLaren, com 3 vitórias no ano (a primeira de sua história em Spa, com Bruce McLaren), ficou com o vice no campeonato de construtores. Dali para frente, com equipamento barato e de boa qualidade, os motores Ford V8 se tornariam a força dominante entre os motores, superando em número de vitórias Matra, Ferrari, BRM e outros rivais de peso, tornando-se, no auge dos anos 70, praticamente o fornecedor "oficial" de motores da Fórmula 1. Foi preciso que os turbocompressores fossem reintroduzidos em 1977 para debelar o domínio dos "fordinhos", mas mesmo assim, a montadora ainda venceria o campeonato mundial de pilotos de 1994, equipando a Benetton.
O ano de 68 também viu a introdução de aerofólios nos carros de Fórmula 1. Embora não fossem uma novidade em carros de corrida, a sua introdução, no Lotus de Hill no Grande Prêmio de Mônaco teve conseqüências permanentes. No final da temporada, todas as equipes já haviam desenvolvido aerofólios à sua maneira. Embora elas pudessem ser "destacadas" em algumas pistas, os projetistas passaram a pensar em seus carros contando com o reforço dos aerofólios na criação do downforce e melhoria da aderência nas curvas. Hoje, um aerofólio (um conjunto que pode ser composto por 2, 3, até 4 lâminas de formas e dimensões específicas) é parte tão importante de um carro de Fórmula 1 que o menor dano, ou erro de projeto em um desses spoilers faz com que o carro se torne inguiável em altas velocidades.
A outra novidade, que se tornou perene, foi a introdução de patrocinadores nos carros, alterando as sagradas cores nacionais das equipes. Equipes já, desde muito tempo, exibiam os logotipos de patrocinadores e fornecedores de peças, óleo e combustível, sem, no entanto, perturbar o esquema de cores de cada uma. Em 68, os patrocinadores oficiais do campeonato retiraram-se no final de 1967, e as equipes foram autorizadas a procurar patrocinadores individualmente para financiar sua participação. No Grande Prêmio da Espanha, a Lotus alinhou seus carros com as cores vermelha e dourada da fábrica de cigarros Gold Leaf (a primeira de uma longa dinastia de empresas tabagistas), substituindo o tradicional verde e amarelo. Embora as cores nacionais nunca tenham sido esquecidas, e ainda possam ser observadas nos últimos anos em equipes como Ligier/Prost , Jaguar, e Ferrari, são relíquias que disfarçam o fato de que, desde 1968, as equipes de Fórmula 1 sobrevivem de vender espaço nas carrocerias de seus carros para publicidade, e a busca pelo sucesso também coincide com o aumento de receita. Foi o início da Fórmula 1 comercial.
Segundo a revista Time, numa edição especial deste ano, 1968 foi "o ano em que o mundo mudou". A Fórmula 1 também mudou, até onde podemos dizer, para sempre.
Fontes: Formula One Facts (fotos), Wikipédia (inglês), Jornal do Século (publicação avulsa do Jornal do Brasil do ano 2000).