28 agosto, 2007

Barbara e o Príncipe

Príncipe BiraPor volta do século XII, o declínio do reino Khmer, dos autores do magnífico complexo de templos de Angkor Wat no atual Camboja, permitiu a invasão de uma nova tribo vinda das montanhas no oeste. Esta nova tribo, em sua própria língua, denominava-se Thai, ou seja, "livres". Eles se estabeleceram no território que os europeus conheceram como Siam, e que, em 1939, ficou conhecida como Tailândia, a terra dos Thai.

Ok, e daí?

Em 1914 nascia, na capital Bangkok, o neto do rei Mongkut, eternizado pela obra de ficção O Rei e Eu, e pelo filme Anna e o Rei, o príncipe Birabongse Bhanutej Bhanubandh.

Ok, e daí?

Príncipe Bira (ou B Bira, sem o ponto mesmo, como era conhecido no meio) foi enviado para estudar na Inglaterra com seus parentes. E foi ao dirigir um carro no colo de seu chauffeur que o Príncipe Bira se apaixonou por carros.

Ok, e daí?

Em 1936, pilotando um ERA, venceu a Copa Príncipe Rainier, em Montecarlo.

Ah, agora sim.

Bira, o carro à direita na primeira fila, larga ao lado de Fangio no GP de Reims, em 48Quando terminou a Segunda Guerra Mundial, Príncipe Bira optou por correr com carros italianos (Maserati), já que o automobilismo inglês sofrera terrivelmente durante o conflito (no final dos anos 30 a Maserati já dominava as competições européias, mas os Delage e ERA ainda eram competitivos). E Bira voltou a vencer, com três vitórias em 1947, duas como piloto oficial da Simca-Gordini. Em 48, no GP de Reims, dividiu a equipe Gordini com Juan Manuel Fangio, e embora o tailandês tenha abandonado, sua volta mais rápida foi 5 segundos mais veloz que a de Fangio (num circuito de 7815 metros, nada mal!), sendo que na classificação para o grid, a vantagem do argentino não ultrapassou 1 décimo de segundo. Em 49, pela equipe suíça Enrico Platé, venceu o GP da Suécia, e foi por essa mesma equipe, que, no ano seguinte, Príncipe Bira disputaria o primeiro Campeonato Mundial de Fórmula 1.

Ao volante de uma valente Maserati 4CLT/48, o tailandês conquistou 5 pontos, com um quinto lugar em Mônaco e um quarto na Suíça. No GP da Itália, foi a segunda das oito Maserati inscritas no grid de largada, abandonando na primeira volta com problemas no motor. O carro não era páreo para as Alfa Romeo de Fangio e Giuseppe Farina, ou mesmo para as Ferrari, mas mesmo assim o tailandês terminou o campeonato na oitava colocação.

Em 51 ele pretendia correr com uma equipe própria (time B Bira), porém um acidente destruiu o carro e abalou a confiança do piloto. Ele só correu o GP da Espanha, abandonando com problemas no motor OSCA V12. Nos anos seguintes, com equipamentos ruins da Gordini e Connaught, Príncipe Bira parecia ter perdido o interesse pelas competições.

Príncipe Bira celebrando uma de suas vitóriasEntão, em 54, ele voltou. Com uma Maserati 250F, abriu o campeonato com um sexto lugar na Argentina. Voltou a ser o sexto na Bélgica (infelizmente, o sexto colocado não pontuava naqueles tempos), e entre as duas corridas, um segundo lugar no International Trophy de Silvertsonte, sexto no tradicional GP de Bari, e logo depois venceu o GP de Frontiéres, todas as três corridas extra-campeonato.

Bira em ação no GP da França, em ReimsO GP da França, em Reims, marcaria a volta da Mercedes às competições internacionais, com as legendárias e legítimas Flechas de Prata W196. Dois dos três carros inscritos formaram a primeira fila. Bira, um dos poucos a correr com um carro próprio - a equipe Maserati já utilizava o modelo A6GCM, ou seja, o 250F já estava ultrapassado, embora ainda fosse muito utilizado por equipes privadas - largou na terceira fila, sem sexto, e, mantendo bom ritmo, se aproveitou dos abandonos dos carros à sua frente. Em certo ponto, Bira era o terceiro, suportando a pressão de Maurice Trintignant com Ferrari e Jean Behra com Gordini, quando este, ao tentar a ultrapassagem, colidiu com uma grade, e o outro francês precisou sair da pista para evitar a batida - Bira manteve a linha e evitou ser engolido pelo acidente. Então começou a chover, e os óculos do tailandês o atrapalhavam (ele era míope). Com isso, ele caiu para quarto, atrás da Maserati do argentino Onofre Marimon. Quando parou a chuva, Bira recuperou a posição com o abandono do argentino. Mas perto do fim, Bira ficou sem combustível, e Robert Manzon, com a Ferrari, tomou seu lugar no pódio. Juan Manuel Fangio venceu a corrida. Bira terminou em quarto, marcando os três últimos pontos de sua carreira no Campeonato Mundial.

Outros grandes resultados viriam de provas extra-campeonato (segundo em Rouen e Pescara, quarto em Caen). Em 55 venceu o GP da Nova Zelândia (novamente extra-campeonato), ficou em terceiro no International Trophy, e então vendeu sua Maserati. Passou a comandar uma empresa aérea.

O programa do GP da Nova Zelândia de 56, ilustrando B Bira e sua Maserati, vencedoras no ano anteriorPríncipe Bira foi uma das figuras mais curiosas, e ainda menos conhecidas da Fórmula 1. Um príncipe tailandês, já de partida de origem exótica, porém rápido ao volante, que nunca chegou a ter a chance como piloto oficial de grandes construtores, exceto por uma vez ou outra, como no GP argentino de 54 quando correu pela equipe Maserati, antes de ressuscitar a equipe B Bira para o resto da temporada. Infelizmente, esquecido mesmo por grandes fãs do esporte. Tão esquecido que, ao morrer de ataque cardíaco numa estação do metrô de Londres, na antevéspera do natal de 1985, passaram-se dias até que alguém o reconhecesse como membro da família real tailandesa. Mas justiça há de ser feita.

P.S.: Ah, quem é Barbara? Era uma menina sueca que Bira conheceu quando jovem na Inglaterra. Ela usava um vestido azul e amarelo, as cores que ele usou nos seus carros ao longo da carreira e que se tornaram as cores oficiais da Tailândia no automobilismo.

Fontes: Un Tributo al Chueco (incluindo foto), Atlas F1 Bulletin (neste fórum alguém postou uma matéria escaneada, publicada na revista Motorsport Magazine sobre B Bira), 8W, His Higness Birabongse Bhanutej Bhanubandh (inclindo fotos), New Zealand Grand Prix (foto), Motorjournal (foto)

5 comentários:

Blog F1 Grand Prix disse...

Que belo post! Bira é, de fato, uma das figuras mais folclórica da história da Fórmula 1. Lemyr Martins, em seu livro, disse que o tailandês apurava seus reflexos antes das corridas com um harém formado por cinco belas mulheres. Bira já é meu ídolo aí!

Grande abraço!

José António disse...

Boa tarde.
Excelente história. Muito bom.

Como fui desafiado para elaborar uma lista de cinco blogs da minha preferência neste Dia Mundial do Blog resolvi colocar na lista o seu blog.

http://4rodinhas.blogspot.com/2007/08/off-topic-blog-day.html

Cumprimentos

Speeder76 disse...

Optimo artigo. De facto, é excelente alguém falar sobre o Principe Bira, que algumas más linguas diziam ser... bem, fugia das meninas. Que eu saiba, sempre foi solteiro.

Fabio disse...

Não sei se você ficou sabendo do BLOG DAY, se não souber do que se trata passa lá no blog que tem a explicação.

Coloquei-o na lista que fiz, achei legal avisar.

Abraço!

Matheus Gagliano disse...

Caro Monocromático,
Muito boa a história desta postagem. Lembro também das história envolvendo o Príncipe Bira na F1, quando ainda eram só as corridas de Grand Prix, antes do estabelecimento do Mundial de Pilotos. Muito boa também a história da equipe de Graham Hill. O que poderia ser a Embassy hoje se ele não tivesse morrido não é mesmo? Talvez Damon seria chefe de equipe, por exemplo, ao invés de piloto..
Já lhe apresentei o Alta Velocidade, mas renovei o blog - que passa a ter outra proposta - e mudei de nome: agora passa a se chama SuprGP, mas o endereço eletrônico continua o mesmo.
Abraços.