05 junho, 2008

Autódromo Nélson Piquet - um morto vivo

O Autódromo Nélson Piquet, em Jacarepaguá, Rio de Janeiro, está com seus dias contados. Para quem mora aqui e para os fãs do automobilismo que acompanham a agonia do autódromo, isso não surpreende, mas entristece.

O antigo Autódromo de Jacarepaguá foi construído para o GP do Brasil de 1978 num aterro sobre o brejo que se estende na margem norte da Lagoa de Jacarepaguá. É cercado ao norte e ao oeste por montanhas cobertas de mata, e ao sul se estende a lagoa e a planície que leva ao mar (e eu morava num prédio que se via dali, pois era o único da região :^P). Sediou o Grande Prêmio do Brasil de Fórmula 1 em 1978, e de 1981 a 1989, a Moto GP de 1995 a 2004, e a Rio 400/Rio 200, etapa brasileira do campeonato da CART de 1996 a 2000 (num circuito oval integrado ao antigo traçado, o Circuito Emerson Fittipaldi, o oval mais interessante que eu já vi), e diversas categorias nacionais e continentais até começo deste ano.

Era um circuito de médio para longo, com volta de mais de 5 mil metros de distância, curvas de média e baixa velocidades, com um grande retão iniciado numa curva lenta (Norte) e terminado numa curva de raio longo (Sul) que os pilotos tentavam contornar no limite, ocasionando muitas escapadas, rodadas e batidas. Foi a passarela pela qual desfilaram, vitoriosos, Carlos Reutemann, Nelson Piquet, Alain Prost (vencedor em 5 ocasiões) e Nigel Mansell, além episódios épicos protagonizados por brasileiros, como o segundo lugar de Emerson Fittipaldi com Coopersucar em 1978, ou a ultrapassagem de Piquet em Ayrton Senna no retão, levantando uma cortina de faíscas dos assoalhos que batiam contra o asfalto, em 1986, e o suado terceiro lugar de Maurício Gugelmin, com a March em 1989, pressionando Prost no fim da corrida* (além papelão de Brabham e Williams, desclassificadas em 82 por estarem com os carros abaixo do peso, custando a Piquet sua segunda vitória).

O clima era muito aprazível. O staff das equipes e os pilotos gostavam do clima praieiro da cidade. Todos chegavam aqui um mês ou três semanas antes do GP, e realizavam os últimos testes de pré-temporada no próprio circuito. Havia muitas opções de lazer no tempo livre, e era como se estivessem de férias (Alain Prost saía daqui morenaço todo ano). A última vez que Emerson Fittipaldi pilotou profissionalmente um Fórmula 1 foi em testes de pré-temporada ali num protótipo da Spirit, em 82, que era tão ruim que o Rato se sentiu insultado (e era mesmo tão ruim que só pôde estrear no ano seguinte).

Pode parecer que, apesar da chegada de um Interlagos moderno em 1990 (a prefeitura de São Paulo não teve dificuldades para assinar o contrato com a antiga FISA, já que a carioca não quis renovar o seu), Jacarepaguá vivia seus anos de ouro, com intensa atividade e um calendário internacional recheado nos anos 90. Mas a verdade é que, mesmo enquanto era sede do GP de Fórmula 1, o autódromo já enfrentava problemas crônicos. Estive lá em 1984, para acompanhar os treinos de classificação, em 87, na corrida vencida por Prost, e em 1990, para um GP de Fórmula 3. De 84 para 89 não houve qualquer melhoria notável na estrutura das arquibancadas (tábuas de madeira sobre estrutura metálica), nas pistas de serviço, nos boxes, na área de imprensa (que fica em cabines no alto das arquibancadas) ou no acesso ao autódromo. Em 87 construíram arquibancadas improvisadas em vários pontos do circuito (as fixas estão localizadas ao longo do retão), com tábuas de madeira e estrutura tubular. Naquele ano estive numa dessas arquibancadas, montada na curva Nonato. Eu era criança, e lembro que, sentado num degrau, o degrau de cima ficava na altura do meu pescoço com espaço vazio atrás das costas, e eu não podia me recostar sob o perigo de cair da arquibancada - bêbados tumultuando a torcida só aumentavam o risco.

O kartódromo, que fazia parte do complexo original, mal recebia manutenção, e as competições locais de kart foram ficando cada vez mais rarefeitas até desaparecerem. O kartódromo foi destruído para a construção do oval em 1995. Nos anos 90, à exceção das datas da Mogo GP e da CART, o mato era tão alto que era impossível ver a reta dos boxes a partir da reta oposta, e as corridas nacionais, seguindo o calendário da Confederação Brasileira de Automobilismo (CBA) (vulgo Confederação Paulo Scaglione), eram realizadas assim mesmo. Disputas comerciais entre as entidades internacionais e a prefeitura (administradora do autódromo, que queria pagar menos e receber mais, fazendo menos) fizeram com que os dois eventos principais ainda em curso saíssem da cidade, e do país.

Em 2004 o Rio de Janeiro foi escolhido como sede dos Jogos Pan-Americanos. Apesar de existirem vastas regiões vazias na Zona Oeste da cidade, a construção de ginásios, do velódromo e do parque aquático foi planejada para a área do autódromo - que pertence à prefeitura. Metade do traçado (curvas 1, Pace, Suspiro, Nonato, Norte, e parte do retão) foi destruída para as obras do Pan. Competições automobilísticas continuaram ocorrendo apenas por insistência da CBA e da Federação de Automobilismo do Estado do Rio de Janeiro (FAERJ) - e por falta de outros autódromos com condições minimamente aceitáveis no Brasil, e absolutamente nenhum no estado do Rio de Janeiro.

Desde ontem, o Rio comemora a homologação como candidato para sediar os Jogos Olímpicios de 2016. Fala-se muito da total desativação do autódromo de Jacarepaguá, e da sua reconstrução em outro lugar, na Zona Oeste do Rio (não disse?). Não é à toa que o calendário da FAERJ termina em agosto. Existe projeto para isso, mas aqui no Rio, a existência de um projeto não significa que será executado (há mais de 30 anos existe projeto para duplicação da Avenida das Américas, no Recreio dos Bandeirantes, apesar da urgência para esta obra). A possível vinda da Olimpíada, e a conseqüente demanda por novos ginásios e estádios pode ser o golpe de misericórdia no autódromo, se isso não acontecer antes - e há poucos motivos para acreditar que não vá acontecer.

O automobilismo brasileiro está nas mãos de políticos, e não de gente comprometida com o desenvolvimento do esporte. Nem vou falar da situação das categorias brasileiras - exceto Stock Cars e "Fórmula" Truck (esta última, um sucesso contra todas as probabilidades, sem a cobertura televisiva da Globo), basta saber que a nossa mais importante categoria de monopostos teve, na abertura da temporada, a participação de 8 carros. O Autódromo Nélson Piquet é o exemplo notório dos danos que os políticos e burocratas podem fazer a um esporte.

*Eu quebrei a minha cama pulando enquanto torcia para o Maurício.

Link altamente recomendável: SOS Autódromo do Rio de Janeiro

Fonte: Wikipedia (imagem)

2 comentários:

Unknown disse...

A construção de um "parque olímpico" em cima de um autódromo com uma pista de alto nível e palco de diversos grandes prêmios emocionantes foi o maior exemplo de corrupção da história do esporte do país.

Como bem apontado, o autódromo está localizado "no meio do mato", com diversos, inúmeros e incontáveis dezenas de centenas de milhares de quilômetros quadrados de área livre para a construção de qualquer outra coisa.

Mas não, a CBA mancomunada com o COB e o Governo do Rio de Janeiro preferiram DESTRUIR algo que já estava construído para levantar um esboço de um centro olímpico, e o pior, com o argumento de que UM NOVO AUTÓDROMO SERIA CONSTRUÍDO ao lado, pois haveria espaço de sobra.

Faz-me rir! Como que é possível sugerir e acatar tamanha loucura? Como é possível que os nossos Tribunais e o Poder Judiciário não barraram esse flagrante desperdício do dinheiro público em um nítido ato de pilantragem? Pior, como que é possível que nenhum esportista tenha levantado a voz contra isso?

Pena que agora só resta lamentar.

Anônimo disse...

o black já foi bastante feliz em seu comentário, pilantras é o improprerio mais ameno que podemos usar para essa corja de interesseiros que são nossos politicos, bando de facistas ladrões