Trilogia "A Geração Perdida": O grande Pierluigi Martini
Em 1984, a Toleman era dona de uma mina de ouro: Ayrton Senna vinha provando ser um piloto de grande futuro, com desempenhos espetaculares, muito acima do que a equipe esperava - os 9 pontos de Derek Warwick no ano anterior já haviam sido uma façanha digna de lançar o inglês para a Renault, e Senna vinha superando seu desempenho a cada prova. No entanto, antes do GP de Monza, quase no final da temporada, Ted Toleman descobriu que o brasileiro havia assinado com a Lotus para a temporada seguinte, e o suspendeu. Para aquela corrida, ele - que já não contava com o seu segundo piloto, o venezuelano Johnny Ceccoto, fora de combate devido a fraturas em um acidente em Brands Hatch - convidou o piloto de teste da Brabham, um italiano igualmente promissor, que vencera o europeu de Fórmula 3 no mesmo mês que o brasileiro venceu o campeonato inglês da categoria. O italiano, que nunca havia experimentado o carro (e na verdade, mal havia guiado a Brabham em testes) ficou desconsolado ao não obter a classificação para a corrida na sua grande chance na Fórmula 1 (Stefan Johansson, também fazendo seu debut pela Toleman em Monza, terminou a corrida em quarto). Vendo que não havia escolha, Toleman chamou Ayrton de volta para as duas corridas finais, dispensando o italiano.
Esse italiano se chamava Pierluigi Martini. É aqui que começa a sua história.
O tio de "Piero", Giancarlo, também era piloto, contudo sua maior façanha foi bater com uma Ferrari emprestada durante o warm up da Corrida dos Campeões de 1976, em Brands Hatch. Pierluigi mostrara ter um futuro mais promissor. Aos 22 anos vencera o europeu de Fórmula 3, e já tinha seus contatos na Fórmula 1. Apesar da experiência com a Toleman tê-lo deixado arrasado, ele logo se envolveu em um novo projeto para o ano seguinte.
Martini fez sua estréia na Fórmula 2 em 1982 pilotando para Giancarlo Minardi. Minardi, dono de uma equipe de sucesso no automobilismo italiano, planejava entrar para a Fórmula 1, usando exclusivos motores Motori Moderni turbo de 6 cilindros. Giancarlo queria Alessandro Nannini para seu time, mas a antiga FISA lhe recusou a superlicença. Sobrou então para a outra promessa italiana disponível. O carro era péssimo, e o motor mal era capaz de se equiparar aos poucos aspirados do grid, e só raras vezes chegou inteiro até o final. Martini se viu perdido: piloto jovem, liderando um projeto de desenvolvimento onde tudo parecia estar dando errado. Além de alguns erros (como uma batida sozinho no meio da chuva em Estoril), o carro o fez abandonar em nada menos que 12 das 16 corridas - além de não qualificá-lo para o GP de Mônaco. Segundo ele mesmo, "não podíamos dar mais do que algumas voltas com o motor, não nos permitia desenvolvê-lo". Desanimado, Martini foi demitido assim que Alessandro Nannini obteve sua habilitação e o contrato para o ano seguinte.
"Se eu tivesse tido um carro competitivo, eu não seria o Martini que sou hoje", disse ele mais tarde. O fracasso da Minardi em 85 o fez recuar para a Fórmula 3000, onde ele recomeçou sua carreira. Retornando para a mesma equipe com que foi campeão da F3, onde ali sim ele se "sentia em casa". A auto-confiança voltou, e com ela veio uma temporada memorável disputada contra Ivan Capelli - que venceria o título de 86. As coisas não deram certo em 87, e em 88 ele mudou de equipe.
Porém, Pierluigi Martini ficaria conhecido no meio como um piloto leal e trabalhador. O trauma de 85 o tornou uma pessoa fechada, avessa às luzes do estrelato que o cegaram, mas o tornou mais sério no trabalho. Foi essa a impressão que Giancarlo Minardi teve do piloto. Em 88, Nannini saltou para um novo patamar, indo para a Benetton. O espanhol Adrian Campos pedira demissão antes do GP dos EUA, e a Minardi tinha o lugar vago. Minardi apostou em sua confiança em Martini, certo de que o fracasso de 85 se devia mais ao equipamento do que ao piloto.
Ele estava certo.
No mesmo GP americano, em Detroit, de 1988, Martini se classificou 9 posições à frente da outra Minardi de Luiz Pérez Sala, e terminou nada menos que em sexto, a uma volta do vencedor Ayrton Senna, marcando o primeiro ponto da história da Minardi! A habilidade demonstrada ao longo da temporada (apesar das quebras) o fizeram assinar o contrato para 1989.
Naquele ano, a Minardi começara a trabalhar com a Pirelli. Apesar de ambos Martini e Sala - agora, seu grande amigo - terem abandonado todas as provas até o meio da temporada por problemas mecânicos e acidentes, eles vinham se classificando regularmente no "bolo" do grid - com Martini sempre à frente, e Sala, às vezes, falhando no qualifying. Mas em Silverstone, "um dia que eu não poderei esquecer facilmente", Martini conseguiu terminar em quinto, e Sala em sexto. Não foi apenas um resultado a ser comemorado, mas a própria salvação da equipe, que a partir dali fugiria da cruel pré-qualificação, a que as equipes em pior posição no campeonato eram obrigadas a se submeter nas sextas-feiras, e na qual os carros mais lentos eram logo de cara eliminados da corrida. De uma hora para outra, Martini saltara "do estábulo para as estrelas".
"Nunca se superestime. É muito difícil chegar na frente, mas é muito fácil cair novamente. Você tem sempre que ter o foco no trabalho. A coisa mais difícil não é chegar às estrelas, mas permanecer lá"
Enquanto a Pirelli desenvolvia seus pneus, Martini foi indo cada vez mais para frente do grid. No final do ano lá estava ele, disputando a pole position do GP da Austrália contra as McLarens de Senna e Prost. Em Portugal, com ele ao volante a Minardi se viu pela única vez na liderança de uma corrida! Após o fim da temporada, durante os meses de inverno, Martini testou como nunca. E na abertura daquela temporada, na primeira fila estavam Gerhard Berger, com sua McLaren na pole position, e Pierluigi Martini, com sua Minardi ainda do ano anterior. Era a glória máxima que a equipe Minardi jamais tivera e jamais voltaria a ter.
Continuando consistentemente melhor que seu companheiro de equipe (agora, Paolo Barilla), ao final de 90 Martini havia sido contactado por equipes grandes. Embora não esteja muito claro quais eram, falava-se de McLaren, por exemplo, para o cargo de piloto de testes. Martini optou por continuar na Minardi, satisfeito por ter a sensação de estar provando a todos - e a si mesmo - ser aquilo que ele acreditava ser. Ele era agora o coração da equipe, o braço direito do chefe, e ele não deixaria isso de lado para flutuar nas estrelas.
"Quando esqueço de manter os pés no chão, não demora muito porque eu imediatamente volto e digo 'Sim, ok, eu me diverti e extravazei, tenho que voltar ao trabalho e me manter na linha'".
Em 1991, a Minardi receberia motores Ferrari V12, uma especificação anterior à usada pela própria Ferrari. Era a promessa de um salto de qualidade. Entretanto, o altíssimo consumo anulava qualquer vantagem que o motor poderia oferecer, e os problemas mecânicos tornaram a vida difícil para a Minardi. Contudo, em Imola, num dia de muita chuva, Martini saiu da nona posição e terminou em quarto, a melhor posição de chegada da história da equipe. E se alguns pensavam que o raio não poderia cair duas vezes no mesmo lugar, Martini repetiu o quarto lugar em Estoril. Apesar do sucesso, o italiano de cabelos encaracolados ficou satisfeito por ter sido seu companheiro de equipe, Gianni Morbidelli, e não ele, a ser escolhido para substituir Alain Prost na Ferrari no último GP do ano. Martini já tinha outros planos.
A Marlboro pagou caro pela sua transferência para a Dallara em 1992, levando no pacote os propulsores Ferrari. Era uma casa nova, uma organização diferente, que parecia estar dando certo... mas que infelizmente tinha seu funcionamento mais ligado à publicidade do que à dedicação ao trabalho sobre os resultados de pista. Embora o carro fosse muito mais confiável, e embora Martini continuasse sendo mais rápido que seu companheiro de equipe (agora, o finlandês J.J. Lehto), ele somou apenas 2 pontos, os únicos 2 pontos que faria fora da Minardi (onde somaria 16). Ao final do ano, a Dallara foi entregue ao milionário Beppe Lucchini.
A mudança total na estrutura levou Martini a ficar de fora do início da temporada de 1993. Entretanto, a "máquina mortífera" (segundo Christian Fittipaldi) da Minardi não estava bem, e Giancarlo demitiu seu segundo piloto Fabrizio Barbazza. Na procura de um substituto, não havia opção melhor do que o melhor piloto disponível. Martini estava de volta. Fittipaldi era um adversário mais duro que os anteriores, mas mesmo assim ninguém se surpreendeu quando o italiano se viu largando em sétimo no GP da Hungria, enquanto o brasileiro foi o décimo quarto - a partir daí, ao "pegar a mão" do equipamento, Martini permaneceu imbatível. A sétima colocação no GP de Monza ficou marcada pelo espetacular acidente com Christian. O brasileiro entrou na reta dos boxes colado no companheiro de equipe, já para receber a bandeirada, quando um toque fez a frente da segunda Minardi levantar fazer um looping completo no ar, caindo nas quatro rodas. O carro de Fittipaldi ainda se arrastou pela reta cruzando a linha de chegada em oitavo, mas completamente em frangalhos.
Em 94 Minardi se livrou de Fittipaldi, que mudara para a Arrows, e manteve Martini para fazer dupla com Michele Alboreto (a última vítima de Beppe Lucchini, na antiga Dallara, falida ao final de 93). Num ano muito difícil, onde acidentes bobos como o pneu voando do carro de Alboreto após um pit stop em Imola sinalizavam as dificuldades financeiras que atrasaram o lançamento do carro novo até o meio do ano, pouco Martini pôde fazer. E mesmo assim ele conseguiu fazer 2 corridas brilhantes em Barcelona e Magny Cours, terminando ambas em quinto, contra todas as possibilidades. Apesar de serem de gerações próximas, Martini "aposentou" ao final da temporada o veterano Alboreto, que somara apenas um ponto.
Em 95, em grave situação, a Minardi contratou Luca Badoer para fazer dupla com Martini. A situação era tão grave que a Minardi se viu, depois de anos de esforço, novamente no fundo do grid. Embora Martini continuasse com um desempenho notável, e fosse um veterano respeitado por todos do circo, Giancarlo Minardi - naquela altura, apenas um sócio minoritário reduzido a diretor esportivo - teve que apertar o cinto e demitiu Martini, ganhando certo fôlego financeiro com o português Pedro Lamy. O GP da Alemanha foi o último da carreira do italiano.
Felizmente, ele continuou a correr. Em 1999, Martini, Yannick Dalmas e Joachin Winkelhock venceram as 24 Horas de Le Mans. Nos últimos anos tem participado da GP Masters. Foram 119 GPs na carreira, 107 com Minardi, 18 pontos, nenhum pódio. Quem se importa com números não se dedicaria a uma vírgula da carreira deste piloto. Martini não venceu provas, não conquistou títulos na Fórmula 1, não deixou qualquer marca memorável. Exceto a certeza de ter realizado um trabalho bem feito e ter sido um exemplo de profissionalismo e dedicação aos seus colegas.
"Todo ponto na Minardi era uma vitória". Portanto, ele foi um vitorioso, e não tem quem me prove o contrário.
Fontes: Unofficial Nelson Piquet Webpage (fotos), Site oficial da Williams (fotos), Formula One Facts (incluindo fotos), Grand Prix.com
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