Trilogia "A Geração Perdida": Stefano Modena, derrotado por si mesmo
Quando Stefano Modena não conseguiu obter classificação para o grid de largada para o GP da Itália de 1992, se viu duas cenas opostas nos boxes da Jordan: Eddie Jordan e os mecânicos exasperados de um lado, e o piloto abatido do outro. E durante a maior parte do ano foi assim. Modena era um sujeito fechado, e à medida que os resultados não vinham, ele se fechava mais e mais, a ponto de perder qualquer contato pessoal com a equipe à sua volta.
Uns poderiam dizer que Modena, na verdade, intimidava os outros pela sua personalidade resoluta e austera, e que isso afastava a todos de si. Talvez seja essa a verdade. Assim como pode ser verdade que o rapaz introspectivo (com um ar de mistério e elevação que faziam compará-lo com Senna) tenha se tornado irrascível e até mesmo hostil devido à crueldade do mundo competitivo da Fórmula 1. Mas a verdade é que Stefano Modena, um dos pilotos mais talentosos da sua geração, foi derrotado por si mesmo.
O italiano, cujo sobrenome lembra sua cidade natal, começou se destacando no kart, onde dominava todas as competições. Em 1986 se destacou na Fórmula 3 italiana, mudando para o europeu da F3000 no ano seguinte. Modena, pilotando pela equipe Onyx-March (que dois anos mais tarde tentaria a sorte na Fórmula 1) se tornou campeão desta categoria no seu ano de estréia! No final do ano, a Brabham lhe ofereceu um lugar para disputar o último GP da temporada na Austrália. Classificando-se em 15o., 1 segundo e meio atrás da outra Brabham de Andrea de Cesaris, abandonou depois de 30 voltas. Aos 23 anos, sua primeira experiência valeu pelo contato estabelecido com o "circo".
A ascenção meteórica na carreira de piloto de monopostos sofreu logo um baque quando a Brabham decidiu se retirar do campeonato mundial de 1988. Restou uma vaga na novata Eurobrum, uma equipe de relativo sucesso em categorias inferiores, mas sem qualquer experiência na Fórmula 1, exceto pelo veterano engenheiro Gianpaolo Pavanello, ex-Alfa Romeo.
Modena, que vinha de carreira vitoriosa, começou a experimentar o gosto amargo que os novatos normalmente experimentam ao ingressar na Fórmula 1, pecando pela inexperiência e pela deficiência técnica de um time pequeno. Mesmo assim, havia lampejos de genialidade, como no GP do Canadá, onde Modena conduzia sua Eurobrum na sexta posição quando o câmbio quebrou, a duas voltas do final. Numa época em que 30 carros disputavam 26 vagas no grid de largada, ter ficado de fora em apenas 4 corridas foi um feito e tanto.
A Brabham voltou reestruturada (ou, talvez, desestruturada) em 1989. Firmara acordo com Martin Brundle, que acabara de vencer o mundial de esporte-protótipo, e já tinha 5 anos de experiência na Fórmula 1. Para segundo piloto, o italiano tímido e de cabelos degringolados que estreara pela equipe dois anos antes. Modena viu-se diante do desafio de bater um piloto mais experiente, e, determinado a voltar ao topo, não se intimidou: logo na terceira prova do ano, em Mônaco, um terceiro lugar - o último pódio da história da equipe. Porém aquela temporada se revelaria difícil.
A Brabham se tornou um desfile de dirigentes excêntricos com dinheiro para gastar em coisas erradas e nenhum comprometimento com o esporte, enquanto figuras tradicionais como Herbie Blash mantinham a calma e procuravam fazer o melhor. O fato é que a equipe não tinha programação de treinos (todos os ajustes eram feitos durante os treinos livres antes das tomadas de tempo), não havia desenvolvimento, e isso resultou em quebras constantes - mesmo se classificando constantemente entre os 10 pirmeiros do grid, aqueles 4 pontos foram os únicos da temporada - os mesmos quatro obtidos por Brundle.
As coisas iam tão mal na Brabham que, para dar um boost de publicidade para o time, contrataram o filho de seu fundador, David Brabham, para substituir Brundle em 1990. Embora David não fosse um piloto ruim afinal, e Modena mostrasse ser superior a ele, o melhor resultado foi um quinto lugar do italiano na corrida de estréia, nos Estados Unidos. Naquela prova a Pirelli, que equipava a Brabham, apareceu com pneus novos que surpreenderam a concorrência (outros carros com pneu Pirelli, como Minardi, Dallara e Osella largaram nas primeiras posições). Quebras sucessivas e desempenhos cada vez piores ofuscaram qualquer talento que Modena estivesse demonstrando.
Mas não para os dirigentes dos grandes times! No final do ano corria rumores de que Alessandro Nannini estaria indo para a Ferrari, e a Benetton logo entrou em contato com Stefano. Porém com o acidente de Nannini e a entrada de Roberto Pupo Moreno no time, e a pressão de Nélson Piquet para mantê-lo no ano seguinte arruinaram o negócio. Quando a Ferrari se decidiu por Jean Alesi e a Tyrrell perdeu seu garoto de ouro, Ken Tyrrell logo ligou para Modena, e em menos de uma semana o negócio estava fechado.
A revista Grand Prix de novembro de 1990 dava a Tyrrell como uma das promessas para o ano seguinte: um excelente chassis que obtivera resultados expressivos naquele ano, pneus Pirelli mais duráveis e o legendário motor Honda V10. "Acho que posso vencer corridas", entusiasmava-se Modena, e francamente era o que se esperava da equipe. Logo na primeira prova, um quarto lugar, e em Imola um quinto. Em Mônaco mais uma vez, Modena alinhou seu carro em segundo no grid, apenas atrás de Ayrton Senna - o italiano vinha mantendo o segundo lugar quando o motor falhou na volta 42. A recompensa veio em Montreal. Ultrapassando a Williams de Patrese, e contando com a quebra de Nigel Mansell na última volta, Stefano chegou em segundo.
Porém o mar de rosas começou a se desvanecer, e ao longo do campeonato a Tyrrell, que basicamente usava um chassis do ano anterior, passou a ser superada por outras equipes do pelotão intermediário. Somente voltou a marcar em Suzuka, com um sexto lugar do italiano. No final do ano a Jordan, equipe revelação de 91 e já cobiçada por muitos pilotos, o procurou.
Talvez a inexperiência de Eddie Jordan na Fórmula 1 o tenha conduzido a decisões questionáveis. O chassis Jordan 192 era uma evolução do grande carro de 91. Porém Jordan decidiu desenvolver um novo câmbio seqüencial. Aliado a um motor Yamaha V12, que os japoneses diziam se comprometer a tornar competitivo - apesar do fracasso quase total com a Brabham no ano anterior - completou a receita de um projeto desastroso. E lá estava Stefano Modena. "Foi o pior dos meus 5 anos de Fórmula 1", disse em uma entrevista recente.
Os problemas eram tantos e tão evidentes que Modena sequer se classificou para a primeira corrida do ano, na África do Sul. O desânimo que tomou conta do piloto o tornou ainda mais fechado do que de costume. Infelizmente isso veio de encontro ao estilo irreverente do seu patrão e da equipe, e os conflitos começaram a surgir. Embora seu companheiro de equipe, Maurício Gugelmin, conseguisse se classificar para todas as provas, em algumas Modena (que ficou de fora em 4) conseguia ir melhor. Mas o time preferia claramente o estilo aberto de Maurício ao tipo "estranho" do italiano. Modena atribuía a situação a Jordan, "uma pessoa difícil de se lidar". O único ponto da equipe, marcado por Modena na última corrida do ano - e da sua carreira - não foi comemorado por ninguém.
O fato é que Modena nasceu com o perfil do vencedor: compenetrado, focado apenas no trabalho, "brotado" de vitórias nas categorias de base e satisfeito apenas com a glória máxima. Vendo-se na ocasião num círculo vicioso de equipes intermediárias que não progrediam porque "esses times se preocupam mais em garantir dinheiro de patrocinadores para o ano seguinte do que em desenvolver o equipamento", e incapaz de mostrar resultados com um carro que quebrou em 8 corridas, Modena não tinha possibilidades de ocupar uma vaga em equipes vencedoras. Modena não estava no seu meio. Ao passo que certos pilotos de grande talento, como Ivan Capelli e René Arnoux, alcançaram o topo, mas não tiveram estrutura psicológica para suportar o clima competitivo das grandes equipes, um piloto com gana de vencedor como Stefano Modena foi da mesma forma incapaz de se adaptar à impossibilidade de alcançar suas metas. Anos depois, o que se vê é um Modena frustrado, que sequer se anima a assistir corridas pela TV.
"Eu amo a perfeição. Mas não sou perfeito".
Fontes: Funo! (eu não sabia que podia ler italiano...), Grand Prix.com, , Formula One Facts (incluindo fotos), Wikipedia.
P.S.: gostaria de saber por que o blogger "estica" em algumas versões do IExplorer as imagens que eu redimensiono durante a postagem... :^P
4 comentários:
adorei o artigo. o modena é um cara que pode falar " larguei ao lado do senna, fui ao podio com o piquet, dividi a equipe com gugelmin e cedi meu carro pro Barrichello"
Esse é o tipo do blog não fica desatualizado nunca, devido a qualidade das histórias. Parabéns!!! Inclusive estarei adicionando aos favoritos do meu blog!!!
Pezzolo disse tudo. Um cara com um super talento que foi derrotado pela crueldade do circo da formula 1. Deve ter sido deprimente ter dado o seu assento para o pé-de-chinelo.
Que artigo nota 10
Postar um comentário