28 agosto, 2007

Barbara e o Príncipe

Príncipe BiraPor volta do século XII, o declínio do reino Khmer, dos autores do magnífico complexo de templos de Angkor Wat no atual Camboja, permitiu a invasão de uma nova tribo vinda das montanhas no oeste. Esta nova tribo, em sua própria língua, denominava-se Thai, ou seja, "livres". Eles se estabeleceram no território que os europeus conheceram como Siam, e que, em 1939, ficou conhecida como Tailândia, a terra dos Thai.

Ok, e daí?

Em 1914 nascia, na capital Bangkok, o neto do rei Mongkut, eternizado pela obra de ficção O Rei e Eu, e pelo filme Anna e o Rei, o príncipe Birabongse Bhanutej Bhanubandh.

Ok, e daí?

Príncipe Bira (ou B Bira, sem o ponto mesmo, como era conhecido no meio) foi enviado para estudar na Inglaterra com seus parentes. E foi ao dirigir um carro no colo de seu chauffeur que o Príncipe Bira se apaixonou por carros.

Ok, e daí?

Em 1936, pilotando um ERA, venceu a Copa Príncipe Rainier, em Montecarlo.

Ah, agora sim.

Bira, o carro à direita na primeira fila, larga ao lado de Fangio no GP de Reims, em 48Quando terminou a Segunda Guerra Mundial, Príncipe Bira optou por correr com carros italianos (Maserati), já que o automobilismo inglês sofrera terrivelmente durante o conflito (no final dos anos 30 a Maserati já dominava as competições européias, mas os Delage e ERA ainda eram competitivos). E Bira voltou a vencer, com três vitórias em 1947, duas como piloto oficial da Simca-Gordini. Em 48, no GP de Reims, dividiu a equipe Gordini com Juan Manuel Fangio, e embora o tailandês tenha abandonado, sua volta mais rápida foi 5 segundos mais veloz que a de Fangio (num circuito de 7815 metros, nada mal!), sendo que na classificação para o grid, a vantagem do argentino não ultrapassou 1 décimo de segundo. Em 49, pela equipe suíça Enrico Platé, venceu o GP da Suécia, e foi por essa mesma equipe, que, no ano seguinte, Príncipe Bira disputaria o primeiro Campeonato Mundial de Fórmula 1.

Ao volante de uma valente Maserati 4CLT/48, o tailandês conquistou 5 pontos, com um quinto lugar em Mônaco e um quarto na Suíça. No GP da Itália, foi a segunda das oito Maserati inscritas no grid de largada, abandonando na primeira volta com problemas no motor. O carro não era páreo para as Alfa Romeo de Fangio e Giuseppe Farina, ou mesmo para as Ferrari, mas mesmo assim o tailandês terminou o campeonato na oitava colocação.

Em 51 ele pretendia correr com uma equipe própria (time B Bira), porém um acidente destruiu o carro e abalou a confiança do piloto. Ele só correu o GP da Espanha, abandonando com problemas no motor OSCA V12. Nos anos seguintes, com equipamentos ruins da Gordini e Connaught, Príncipe Bira parecia ter perdido o interesse pelas competições.

Príncipe Bira celebrando uma de suas vitóriasEntão, em 54, ele voltou. Com uma Maserati 250F, abriu o campeonato com um sexto lugar na Argentina. Voltou a ser o sexto na Bélgica (infelizmente, o sexto colocado não pontuava naqueles tempos), e entre as duas corridas, um segundo lugar no International Trophy de Silvertsonte, sexto no tradicional GP de Bari, e logo depois venceu o GP de Frontiéres, todas as três corridas extra-campeonato.

Bira em ação no GP da França, em ReimsO GP da França, em Reims, marcaria a volta da Mercedes às competições internacionais, com as legendárias e legítimas Flechas de Prata W196. Dois dos três carros inscritos formaram a primeira fila. Bira, um dos poucos a correr com um carro próprio - a equipe Maserati já utilizava o modelo A6GCM, ou seja, o 250F já estava ultrapassado, embora ainda fosse muito utilizado por equipes privadas - largou na terceira fila, sem sexto, e, mantendo bom ritmo, se aproveitou dos abandonos dos carros à sua frente. Em certo ponto, Bira era o terceiro, suportando a pressão de Maurice Trintignant com Ferrari e Jean Behra com Gordini, quando este, ao tentar a ultrapassagem, colidiu com uma grade, e o outro francês precisou sair da pista para evitar a batida - Bira manteve a linha e evitou ser engolido pelo acidente. Então começou a chover, e os óculos do tailandês o atrapalhavam (ele era míope). Com isso, ele caiu para quarto, atrás da Maserati do argentino Onofre Marimon. Quando parou a chuva, Bira recuperou a posição com o abandono do argentino. Mas perto do fim, Bira ficou sem combustível, e Robert Manzon, com a Ferrari, tomou seu lugar no pódio. Juan Manuel Fangio venceu a corrida. Bira terminou em quarto, marcando os três últimos pontos de sua carreira no Campeonato Mundial.

Outros grandes resultados viriam de provas extra-campeonato (segundo em Rouen e Pescara, quarto em Caen). Em 55 venceu o GP da Nova Zelândia (novamente extra-campeonato), ficou em terceiro no International Trophy, e então vendeu sua Maserati. Passou a comandar uma empresa aérea.

O programa do GP da Nova Zelândia de 56, ilustrando B Bira e sua Maserati, vencedoras no ano anteriorPríncipe Bira foi uma das figuras mais curiosas, e ainda menos conhecidas da Fórmula 1. Um príncipe tailandês, já de partida de origem exótica, porém rápido ao volante, que nunca chegou a ter a chance como piloto oficial de grandes construtores, exceto por uma vez ou outra, como no GP argentino de 54 quando correu pela equipe Maserati, antes de ressuscitar a equipe B Bira para o resto da temporada. Infelizmente, esquecido mesmo por grandes fãs do esporte. Tão esquecido que, ao morrer de ataque cardíaco numa estação do metrô de Londres, na antevéspera do natal de 1985, passaram-se dias até que alguém o reconhecesse como membro da família real tailandesa. Mas justiça há de ser feita.

P.S.: Ah, quem é Barbara? Era uma menina sueca que Bira conheceu quando jovem na Inglaterra. Ela usava um vestido azul e amarelo, as cores que ele usou nos seus carros ao longo da carreira e que se tornaram as cores oficiais da Tailândia no automobilismo.

Fontes: Un Tributo al Chueco (incluindo foto), Atlas F1 Bulletin (neste fórum alguém postou uma matéria escaneada, publicada na revista Motorsport Magazine sobre B Bira), 8W, His Higness Birabongse Bhanutej Bhanubandh (inclindo fotos), New Zealand Grand Prix (foto), Motorjournal (foto)

24 agosto, 2007

Rachas na McLaren

Não tenho tido tempo para escrever aqui nos últimos dias. Não só porque a internet em casa e no trabalho não tem colaborado, como também tenho ocupado demais a cabeça pensando num projeto para o doutorado, de modo que não tenho tido tempo nem para ler as últimas notícias da Fórmula 1. Aliás, por causa dessa precariedade, perdoem a falta de fotos, fontes e informações que a minha memória traz (sem muita confiança) neste texto, não tenho tempo para pesquisar melhor. Me sinto como se estivesse andando atrás da Spyker (ou seja, pilotando uma Honda :^P).

Mas nas semanas anteriores, com o "aquecimento" da disputa entre os pilotos da McLaren, li alguns textos que associavam, de uma forma ou de outra, a presente briga com aquela ocorrida entre Ayrton Senna e Alain Prost nas temporadas de 88 e 89. Como não poderia deixar de ser, vou dar meu "pitaco" também.

A McLaren em 88 recebeu o "pacote" Senna-Honda, e tanto o brasileiro como os japoneses se integraram rapidamente à estrutura da equipe, que já contava com o então bicampeão mundial Prost. A relação entre os dois pilotos permaneceu cordial por um tempo, e a equipe não concedeu tratamento diferenciado a qualquer um dos dois. O carro - o fantástico MP4/4 - ajuda muito também. Creio que foi em San Marino que houve o desentendimento entre Senna e Prost (lembro do Galvão Bueno mencionando o GP do Canadá, mas minha memória me remete a San Marino). Enfim, os dois concordaram que quem fizesse a primeira curva na frente manteria a liderança na freiada da Tosa, a curva fechada no final da seqüência de alta que vinha da reta dos boxes, passava pelas curvas Tamburello e Villeneuve. Prost pulou na ponta. Porém a largada foi cancelada (aí já não lembro por quê exatamente), e na segunda largada, Senna largou melhor e forçou a ultrapassagem sobre o francês. Prost entendeu que tinha a vantagem no acordo, por ter feito a primeira largada melhor e ficado na frente. Senna acreditava que a nova largada já era uma história diferente, e que por isso ele não havia quebrado acordo nenhum. O racha entre os dois logo foi seguido por um racha interno. Prost acusa até hoje a Honda de trabalhar especialmente para Senna, principalmente no ano seguinte, embora Prost tenha levado vantagem durante aquela temporada. Ron Dennis não intercedeu por nenhum dos dois, nem quando houve o choque entre as duas McLaren no GP do Japão de 89, sendo que na ocasião Prost já havia acertado contrato com a Ferrari e Senna continuaria como seu piloto em 90.

Sabemos relativamente bem o que acontece hoje entre Fernando Alonso e Lewis Hamilton, pois as informações hoje em dia correm muito mais rápidas e mais soltas do que há 18 anos. Muitos caem no engano de comparar Alonso com Prost, Hamilton com Senna, e a McLaren-Mercedes com a McLaren-Honda, onde Ron Dennis ainda tinha mais ($$) do que uma cara de fome para influenciar nas decisões internas. Pois absolutamente todos os elementos que levaram ao racha de 88-89, e ao racha de 2007, são diferentes. Até mesmo a equipe e seu diretor, os únicos personagens comuns a ambos os casos, são diferentes do que eram em outros tempos. Até a FIA (que na época se chamava FISA) e a estrutura que coordena a Fórmula 1 (a antiga FOCA, hoje a FOA e a FOM) são dirigidas de maneiras distintas, com objetivos diversos. O próprio negócio chamado Fórmula 1 mudou, e talvez seja uma das diferenças mais radicais de lá para cá.

Ou seja, estabelecer paralelos para tentar entender o que acontece hoje com base no que aconteceu naquele passado específico, e tentar adivinhar o que acontecerá com base nas conseqüências daquele embate, é um erro que os historiadores chamam de anacronismo, ou seja, adotar um evento ocorrido em um ponto da linha do tempo como parâmetro para compreender outro evento em outro ponto no tempo, desconsiderando todo o processo histórico de eventos que moldaram a realidade desde aquele primeiro ponto até o ponto em questão, que transformam a realidade presente em algo completamente diferente do passado, apesar das coincidências. Já outros textos abordaram o assunto de maneira correta, até brilhante, concentrando-se na análise do caso presente.

Mas ressuscitar aquela história de 88-89, a mero título de curiosidade, é sempre bom, porque, que me perdoem as partes ofendidas, aquela história é ótima!

11 agosto, 2007

Momento Crítico 2: Um Spray de Pimenta

Bertrand Gachot em sua melhor prova, o GP da Hungria de 1991, onde marcou a melhor voltaDepois de tecer minha visão sobre a importância da decisão de um piloto mediano, Derek Warwick, no desenrolar dos fatos da Fórmula 1 nos anos 80, ao recusar uma proposta da Williams para 1985, apresento outro momento crucial da história recente da categoria, novamente protagonizada por um piloto que pouco fez dentro das pistas para ser lembrado. Aliás, foi um incidente curioso - e lamentável - fora delas que levou seu nome à eternidade. É o "causo" de Bertrand Gachot.

Nem é preciso ser tão rápido para associar Gachot à carreira de Michael Schumacher. Quem acompanhou a carreira do alemão conhece a história da sua estréia na Fórmula 1, e eu não tenho o que acrescentar. Mas vale a pena relembrar.

Em 1991 Gachot conseguiu uma vaga na estreante equipe Jordan, ao lado do cigano Andrea de Cesaris. A equipe era nova, a dupla já não era das mais promissoras - o próprio Gachot já havia amargado duas temporadas péssimas com Onyx, Rial e Coloni, e de Cesaris já tinha má reputação como destruidor de carros. Mas no final, o chassis projetado por Gary Anderson, e o motor Ford-Cosworth V8 de primeira linha tornaram o carro bastante competitivo, e ambos os pilotos disputavam as posições de pontuação com freqüência.

Duas semanas antes do GP da Bélgica daquele ano, Gachot, que havia registrado 4 pontos no campeonato, fez a melhor volta do GP da Hungria. As expectativas para o GP belga eram grandes (e realmente, antecipando a história, Andrea de Cesaris poderia ter disputado a vitória na Bélgica se não fosse um problema no final da corrida quando estava em segundo!).

Mas eis que nos dias entre os GPs, Gachot se envolveu numa discussão com um taxista em Londres. O belga sacou um spray de pimenta e o espirrou nos olhos do motorista. Não importa se foi por legítima defesa ou não: sprays de pimenta eram proibidos na Inglaterra. Gachot foi detido. Curioso foi um protesto organizado pelos compatriotas Thierry Boutsen e Eric van de Poele depois em frente ao consulado britânico em Bruxelas pedindo a libertação do colega. Mas ele não seria libertado até outubro...

Michael Schumacher em ação em Spa-FrancorchampsEddie Jordan agiu com rapidez e firmou um contrato informal com o jovem piloto da Mercedes, Michael Schumacher, para disputar as corridas em que seu piloto estivesse indisponível. Antes do primeiro treino, Schumacher deu uma volta de bicicleta para ver as condições do circuito (a lenda diz que foi sua primeira vez em Spa-Francorchamps, mas na verdade ele já havia disputado provas lá antes). No sábado, o alemão cravou o sétimo tempo, quatro posições à frente de de Cesaris. Na largada, travou pneus para ultrapassar Nelson Piquet e Jean Alesi, mas a ousadia do estreante ficou depois da Eau Rouge, ainda na primeira volta, quando o motor estourou.

O que aconteceu depois é História com H maiúsculo. Roberto Pupo Moreno foi demitido da Benetton nos dias seguintes com desculpas esfarrapadas, Flavio Briatore contratou o alemão, e dali ele partiu para se tornar "O Schumacher". Mas vejam como a linha do tempo é tênue, delicada: mais uma vez, os acontecimentos com um indivíduo de pouca importância na categoria, que poderia nem ter terminado a temporada na equipe, visto que depois de ser libertado a vaga estava preenchida por Alessandro Zanardi, determinaram todo o futuro do esporte pelos 16 anos seguintes, e que ainda ecoam até hoje. Se Gachot tivesse resolvido seu problema com o taxista londrino civilizadamente, e Schumacher tivesse estreado em outro momento (o que também parecia inevitável), em outra pista, em outro carro, e impressionado menos, teria tido ele as mesmas oportunidades que teve? Ninguém pode responder. Mas assim funciona o universo: cada acontecimento insignificante envia ecos que reverberam nas vidas de todos. Uma lição para sermos mais responsáveis com nossas atitudes, quem sabe o que pode acontecer...

Fontes: Formula One Facts (fotos), e agradecimentos ao leitor André Nascimento por lembrar o "delinqüente" Gachot. Ainda vou escrever mais sobre o assunto que ele propôs.

07 agosto, 2007

A última tentativa de Graham Hill

Norman Graham HillApós uma década de muito sucesso na BRM e na Lotus durante os anos 60, Graham Hill fez três temporadas muito fracas entre 70 e 72. Talvez pela ineficiência do defasado Lotus 49 em 70, ou pelos fracos Brabhams dos anos seguintes, ou até mesmo por uma inadaptação aos novos conceitos de pilotagem que os avanços na aerodinâmica naqueles anos exigiam de um piloto acostumado a guiar com maestria aqueles charutinhos com rodas dos anos passados. Fato é que em 1973, Hill se atirou de cabeça num projeto pessoal, sua própria equipe, a Embassy Racing.

Hill em Anderstorp 74 com sua Embassy-Lola T37173 e 74 foram anos difíceis. Usando chassis de segunda mão de Shadow, Lola, e até um improvisado Tyrrell, Hill e seus pilotos jamais se aproximaram das primeiras colocações. A partir de 75, com o desenvolvimento de um chassis próprio baseado nas experiências anteriores, esperava-se que o time finalmente fosse para frente. Mas como sabemos, isso não aconteceu, e até hoje a Embassy é tida como um grande fracasso, e a grande carreira de Graham Hill ficou estigmatizada por esses últimos anos melancólicos à frente de uma equipe que não deu certo. O que é injusto, como veremos.

Começando a derradeira temporada ainda com um Lola, o próprio Hill chegou a nem se classificar para duas provas. Ao não obter classificação para o grid do GP de Mônaco, onde ele detinha o recorde de 4 vitórias, o britânico se aposentou. Ao seu lado corria Rolf Stommelen, o alemão que começara a carreira de forma promissora, mas cujas escolhas erradas o conduziram por meios tortuosos à equipe de Hill no meio da temporada de 1974.

Stommelen, saindo da foto pela direita, larga bem no GP da Espanha de 75Antes do GP de Mônaco veio o GP da Espanha, no circuito de rua de Montjuic. Stommelen teve ao seu lado o francês François Migault. Os dois estreavam o chassis GH1, contruído pela própria equipe. O alemão largou num notável nono lugar, e logo no começo da prova ganhou posições. Em poucas voltas, ele disputava a primeira colocação da corrida com José Carlos Pace! Tudo corria bem, quando o aerofólio traseiro do GH1 se soltou, e o carro de Rolf Stommelen foi atirado contra o público. O piloto sofreu apenas fraturas, mas 4 espectadores morreram. A pista estava tão perigosa que a corrida foi encerrada antes da metade das voltas previstas com apenas 8 dos 25 carros na prova.

Tony Brise em Anderstorp com o GH1, onde marcaria um pontoApós o GP de Mônaco, Hill contratou a jovem promessa britânica Tony Brise, que acabara de debutar pela Williams. E a partir do GP da Bélgica, ele faria par com o futuro campeão mundial Alan jones. Em suma, o chassis prometia, e os dois pilotos poderiam corresponder às expectativas. Brise obteve um sexto em Anderstorp, e o australiano um quinto em Nürburgring. O inglês ainda largou em sexto em Monza, melhor posição de largada da equipe até então.

No final, a temporada foi positiva; os três pontos foram mais do que a equipe conseguira nos anos anteriores, sem contar as boas classificações nos treinos e a bela estréia do chassis GH1 na Espanha. Graham Hill tinha muitos planos para 76. Manteria Brise no time, construiria um chassis novo. Estava empenhando até mesmo as economias da família neste projeto. Mas tudo terminou subitamente quando, no dia 29 de novembro, Hill, Brise, o diretor Ray Brimble e mais dois mecânicos morreram enquanto o bicampeão tentava pousar seu helicóptero em más condições meteorológicas. Graham Hill morreu, e junto com ele seu sonho e sua obra.

Nós costumamos nos lembrar da última imagem deixada por uma pessoa, ou por um evento qualquer. Lembramos de Jim Clark, Ayrton Senna e José Carlos Pace no seu auge, e pensamos quanto mais eles poderiam ter conquistado se tivessem continuado vivos. Lembramos de Michael Schumacher ainda em forma na sua última corrida, e muitos perguntam se Lewis Hamilton seria páreo para ele se voltasse às pistas. Não nos lembramos com tanta paixão do que aconteceu antes - os fracassos, as trapalhadas, os erros - e essas pessoas se tornam mitos, embora ainda sejam pessoas. Jamais a Embassy Racing teve a chance de se tornar grande, e ela terminou de repente justo no momento da virada. É lembrada injustamente, como eu disse, como um fracasso. Mas creio que seja assim por nossa culpa, não pela deles.

Fontes: BBC, Formula One Facts.

31 julho, 2007

Diretas Já em Jacarepaguá

O movimento pela democratização do Brasil Essa história toda dos jogos Pan-Americanos, as vaias e aplausos aos políticos nas tribunas de honra e a sua repercussão na imprensa durante todo o evento, me lembrou de outra manifestação popular importante contra o stabilishment político nos anos 80, o movimento Diretas Já.

Estávamos no final da gestão do então Presidente Figueiredo, após 20 anos de ditadura militar. O crescimento da insatisfação popular com o regime militar, o fortalecimento dos sindicatos, a anistia política e o crescimento dos políticos de centro e esquerda culminou com este movimento, grandemente divulgado pela grande imprensa, que pedia pelas eleições diretas para Presidente da República - até então eleito pelo Colégio Eleitoral, ou seja, pelo voto dos deputados federais. Infelizmente não foi daquela vez que o povo pôde exercer o direito ao voto, adiado por mais cinco anos, mas foi determinante para a escolha de um presidente alinhado com a oposição ao regime - Tancredo Neves - em detrimento ao candidato apoiado pelos militares - Paulo Maluf.

O que isso tem a ver com a Fórmula 1? Quando a temporada de 1984 começou no Grande Prêmio do Brasil, em Jacarepaguá, o comitê do movimento Diretas Já em parceria com a Rede Globo instalou, em alguns pontos do circuito, balões, daqueles grandes presos ao chão por cordas, com os dizeres Diretas Já. Durante todo o ano, na abertura das transmissões da Fórmula 1 pela Globo, esses balões sempre apareciam no final da vinheta. Ou seja, o GP do Brasil foi um dos grandes meios de divulgação do movimento.

Não foi a primeira nem a última vez que um esporte (íncluindo a própria Fórmula 1) foi usado como veículo de propaganda política. A própria eleição da Hungria comunista para sediar um Grande Prêmio - um evento essencialmente capitalista! - em 1986 foi um, digamos, cutucão na dominação político-econômica já fragilizada da antiga União Soviética no Leste Europeu.

Eu lembrava disso tudo e achava cômico como a estas vaias, mais motivadas pela irreverência carioca do que por uma ideologia política de massa, tenha sido dada tanta importância. Os tempos mudaram.

22 julho, 2007

Markus Winkelhock Facts

Markus Winkelhock a partir de hoje tem história para contarEu não resisti. Neste fim de semana acompanhamos a estréia de Markus Winkelhock na Spyker, no Grande Prêmio da Europa, em Nürburgring. Não tenho dúvidas que seria um estréia até embaraçosa, pois Winkelhock nunca obteve resultados de grande relevo em categorias secundárias (jamais foi campeão em Fórmula), e, mesmo já tendo testado por Jordan, Midland e pela própria Spyker neste ano (ou seja, com conhecimento do equipamento), foi mais de um segundo mais lento do que o seu companheiro de equipe Adrian Sutil no treino classificatório do sábado, obtendo o último tempo.

Só que hoje São Pedro resolveu se divertir.

Antes da largada uma núvem negra se aproximava do circuito. Com o estreante largando em último, a Spyker resolveu arriscar e o calçou com pneus de chuva, embora a pista ainda estivesse seca, fazendo-o largar dos boxes. Assim que foi dada a largada, um temporal desabou, e enquanto todo o grid, com pneus para pista seca, derrapava nas curvas, a Spyker de Markus deslizava suave. Na segunda volta, quando todos estavam trocando pneus, o alemão ultrapassou a vacilante Ferrari de Kimi Raikkonen e assumiu a ponta. Uma volta depois, ainda liderando, entrou o safety car, e em seguida a corrida foi paralisada. No seu reinício, liderada pelo SC, Winkelhock puxou a fila por mais três voltas, até que na bandeira verde ele não resistiu a Felipe Massa, Fernando Alonso, e todos os outros que vinham atrás. O alemão abandonou pouco depois com problemas hidráulicos. Como eu torci para o diretor cancelar a prova naquela paralisação, concedendo a vitória a Winkelhock!

Mas olhando por outro lado (pois como diria Nélson Rubes, "eu aumento mas não invento")...

-Estreante, em casa, larga dos boxes com o pior carro do grid.
-Em menos de uma volta e meia ultrapassa uma Ferrari e se torna líder da corrida.
-Ficou uma volta à frente de Lewis Hamilton, o líder do campeonato.

Então lá vai o Markus Winkelhock Facts:

-Markus Winkelhock liderou sua segunda volta na Fórmula 1 com o pior carro do grid. Ele ficou com pena de Jacques Villeneuve, cujo único recorde é ter liderado sua primeira volta na Fórmula 1, e por isso resolveu largar em último.

-Markus Winkelhock não deve permanecer por muito tempo na Spyker. Ele não é mais tão jovem e quer dar a oportunidade aos pilotos mais novos.

-A maior parte dos pilotos é capaz de passar uma corrida inteira sem conseguir passar por Kimi Raikkonen. Markus Winkelhock só precisou de duas curvas.

-Markus Winkelhock, na relargada, permitiu a ultrapassagem de Massa e Alonso, pois ele não está disputando o título mundial. Ainda.

-Markus Winkelhock é mais conhecido como filho do ótimo Manfred Winkelhock. Porque se tivesse nascido na família Schumacher, teria ofuscado a carreira de Michael.

-Quando terminou a corrida, houve uma discussão acalorada entre o vencedor Alonso e o segundo colocado Massa sobre como deter Markus Winkelhock.
---Massa disse a Alonso "Vê se aprende", aludindo ao fato de Alonso nunca ter liderado uma corrida com a Minardi.

21 julho, 2007

Cabeza de Vaca-mania, já pensou?

Alfonso Antonio Vicente Eduardo Angel Blas Francisco de Borja Cabeza de Vaca y Leighton Carvajal y Are, o Marquês de Portago à bordo de uma Ferrari No dia 12 de maio fizeram 50 anos desde que Alfonso de Portago disputou sua derradeira corrida, a Mille Miglia de Mantua, na Itália, morto após sofrer um acidente ao volante de uma Ferrari, matando também seu co-piloto Edmund Nelson e 10 espectadores, entre eles 5 crianças.

Um final trágico, mas de certa forma adequado. Alfonso Antonio Vicente Eduardo Angel Blas Francisco de Borja Cabeza de Vaca y Leighton Carvajal y Are, o Marquês de Portago, foi um autêntico playboy que viveu sua vida fazendo o que gosta, e aceitando os riscos de suas escolhas. Nascido em Londres em 1928, filho do décimo sexto Marquês de Portago e de uma aristrocrata irlandesa radicada em Nova Iorque, afilhado do Rei Alfonso XIII da Espanha, Alfonso teve literalmente um berço de ouro.

Criado em meio à decadente aristocracia européia dos anos 30, desenvolveu um estilo de vida extravagante e aventureiro. Apesar de casado cedo com uma milionária americana, teve seus casos com modelos e atrizes de cinema. Mas acima de tudo, Alfonso era fanático por esportes radicais - ou pelo menos, os mais radicais para a época.

Com muito dinheiro para gastar, começou sua carreira de aventuras vencendo uma aposta de 500 dólares ao voar com um pequeno avião sob uma ponte. Depois, amante de cavalos, disputou várias corridas famosas na Europa, além de se dedicar ao polo. Também era um nadador de boa reputação.

Em 1953, induzido pelo mesmo Edmund Nelson, que o acompanhou em sua corrida fatal, Alfonso disputou sua primeira corrida de carros, no México. No ano seguinte, Harry Schell - que mais tarde se aventuraria como construtor de carros de Fórmula 1 - o encorajou a comprar uma Ferrari para dividir com o britânico em provas de turismo. Ele adquiriou o bólido de Luigi Chinetti, um antigo vencedor das 24 Horas de Le Mans, durante uma feira de automóveis em Nova Iorque. Disputando provas com Harry Schell entre 1954 e 55, de Portago revelou-se um piloto "brutal e muito corajoso", como diz Francisco Javier González em um artigo. Isso atraiu a atenção de Enzo Ferrari, que concordou vender ao nobre espanhol um modelo de Fórmula 1. O carro não durou muito, já que Alfonso se arrebentou com ele numa corrida extra-campeonato em Silverstone, fraturando uma perna.

Recuperado do acidente, ele se viu contratado pela Ferrari como um dos pilotos da fábrica.

Alfonso lidera o time espanhol de Bobsleigh nas Olimpíadas de Inverno de 1956Nesse ponto, um parêntese. Em meio ao sucesso nas corridas internacionais, Alfonso de Portago se reuniu com alguns jovens amigos da nobreza espanhola e montou um time de bobsleigh para disputar as Olimpíadas de Inverno de 1956. Sem qualquer experiência nesse tipo de competição, Alfonso e o time espanhol conquistaram um quarto lugar na competição, o primeiro, o melhor, e o único resultado da Espanha nessa modalidade.

De volta às pistas. Já piloto Ferrari, em 1956 o playboy espanhol se metia na maior de suas aventuras: seria um dos cinco pilotos a disputar o Campeonato Mundial de Fórmula 1 pela Ferrari, alinhando ao lado de ninguém menos que Juan Manuel Fangio, Peter Colins, Luiggi Musso, e Eugenio Castellotti. Correndo com os modelos D50 da Lancia - que a Ferrari adquirira ao final do ano anterior - na sua primeira prova, em Reims, vencida por Colins, de Portago abandonou, depois de largar em nono (curiosidade: na quinta posição largou ninguém menos que o legendário Colin Chapman, futuro fundador da Lotus).

Alfonso de Portago alfineta a Ferrari por lhe ter tirado a possibilidade de um bom resultado em SilverstoneEm Silverstone, a glória. Largando em décimo segundo, e disputando a prova pau a pau com Fangio e Moss na terceira posição, a Ferrari o chamou para os boxes. Colins, que naquela altura tinha chances de disputar o título, havia acabado de abandonar com um vazamento de óleo, e, segundo as regras da época, o Comendador ordenou a de Portago que cedesse seu carro ao britânico. Com a quebra de Moss, Colins terminou em segundo, dividindo os pontos meio a meio com o espanhol. Irritado por ter que trocar de lugar, Alfonso, no final da corrida, foi até o carro que Castelloti havia quebrado, empurrou-o até próximo à linha de chegada, sentou-se no cockpit, e acendeu um cigarro. Quando Fangio passou recebendo a bandeirada da vitória, o Marquês só empurrou o carro alguns centímetros para terminar a corrida em décimo.

Dois acidentes impediram que ele completasse as provas em Nürburgring e Monza. Mas paralelamente à Fórmula 1, o Marquês conquistava grandes resultados com a Ferrari em provas de turismo (4 vitórias ainda em 56), em parcerias ilustres, como Phil Hill, Mike Hawthorn, e o seu amigo Edmund Nelson. Isso garantiu seu lugar na equipe para o ano seguinte. E com a saída de Fangio para a Maserati, talvez o Marquês pudesse até aspirar às vitórias!

Mas como no ano anterior, ele não foi escalado para correr a prova de estréia, na Argentina. Mas mesmo assim sua presença foi requisitada. O piloto da casa e um dos favoritos do Comendador, o grande José Froilán González, teve problemas na volta 49 e foi substituído pelo espanhol, que conduziu a Ferrari ao quinto lugar. Os dois novamente dividiram os pontos.

Enquanto isso, os resultados nas corridas de turismo continuavam aparecendo. Cinco dias antes de sua morte na Mille Miglia, ele havia vencido com a Ferrari a Coupe de Vitesse.

Restos do carro de Alfonso de Portago e Ed Nelson na Mille Miglia de 57Como eu disse no começo do texto, o acidente que lhe tirou a vida foi bem ao seu estilo: trágico, dramático, radical. Por causa dele, a Mille Miglia nunca mais foi disputada, e Enzo Ferrari enfrentou um processo criminal que durou 4 anos. Um playboy que aproveitou a vida até a última curva, mas com o mesmo talento e determinação - talvez, com mais excentricidade, e menos seriedade - dos grandes pilotos do seu tempo. "Se morrer amanhã", disse, "terei vivido maravilhosos 28 anos". Mais de 40 anos antes da chegada de Fernando Alonso à Fórmula 1, Alfonso de Portago poderia ter se tornado um dos grandes ídolos do esporte no seu país e no mundo.

Nas palavras do grande Stirling Moss: "Se Portago continuasse a correr, teria chegado a ser muito bom. Acho que Fon era um bom piloto, mas que não levava as coisas muito a sério. As corridas de automóveis não são o mesmo que uma estância de esqui em Cresta. Fon queria se divertir, e era essa uma das razões porque o público o amava. Estava sempre brincando. Se tivesse seguido por mais dois anos..."

Fontes: www.motorsportphotos.de, CarsNTravel.com, Paddock Club (fotos e uma entrevista maravilhosa com o próprio), 8W (foto), Slotcenter.

14 julho, 2007

Jos Verstappen e o canto do cisne da Simtek

Jos Verstappen tem uma torcida pessoal das mais fanáticasQuando eu soube que Christijan Albers perdeu o lugar na Spyker, fiquei um tanto desapontado por saber que o principal piloto holandês da categoria nas últimas décadas, e da mesma nacionalidade da equipe, Jos Verstappen, não estava cotado entre os candidatos à vaga. Bom, é certo que ele já está meio "velhinho" (35 anos), mas mesmo assim continua em atividade no time holandês da A1GP. Será que faltou patrocinador? Afinal, a Spyker já declarou estar leiloando a vaga a quem puder pagar mais.

Verstappen não teve uma carreira das mais brilhantes. Começou impressionando em testes com a McLaren no final de 93, e em 94 estreou na Benetton. Verstappen foi um piloto itinerante, mudando de equipe a cada temporada e jamais tendo condições de brigar por boas posições.

Vale lembrar o grande momento da sua carreira, na minha opinião. Era o Grande Prêmio de Buenos Aires, no circuito Oscar Galvez, em 1995. O holandês pilotava nada menos do que a Simtek, a mesma cadeira elétrica que foi reprovada no crash test no início de 94, a bordo da qual morreu Roland Ratzemberger e que quase levou também o italiano Andrea Montermini um mês depois, a mesma cadeira elétrica que só conseguiu participar de todas as provas de 94 porque sua "rival", a Pacific, era lenta demais e ficava quase sempre de fora dos 26 a largar. Mas enfim, parece que as coisas mudaram um pouco de um ano para o outro, apesar do orçamento mais curto, pois naquele dia Verstappen largava na décima quarta posição, seis posições à frente de Mimo Schiatarella, seu companheiro de equipe.

Verstappen segue no bolo com o primeiro carro roxo com a inscrição XTC em amarelo.Era um domingo cinzento. Lembro que Carlos Reutemann sentou numa Ferrari de 94 para umas voltas de exibição antes da corrida, e cravou um tempo suficiente para largar em 14º ou algo assim, para delírio da torcida. Na largada David Coulthard pulou na pomta, Eddie Irvine se envolveu num acidente com Mika Hakkinen e Jean Alesi, que fez corrida brilhante chegando em segundo. Verstappen largou bem e foi conquistando posições. E não apenas porque ele havia escapado do acidente: em poucas voltas ele assumiu a quinta posição, ultrapassando a Ferrari de Gerhard Berger no final da reta dos boxes! Foi a cereja do bolo! Lembro de assistir pela televisão de achar tudo muito surreal.

Foi uma pena quando, na volta 23, o motor Ford Cosworth da Simtek estourou e o holandês teve que abandonar a prova. Schiatarella terminou em último. Foi o canto do cisne da Simtek. Três corridas depois a equipe fechou as portas por falta de dinheiro, pois a MTV retirou seu patrocínio. Verstappen correu até 2003, algumas vezes apenas tapando buraco de algum piloto demitido. Mas se eu fosse ele, de todas as mais de 100 provas, lembraria sempre daquela em que a mágica quase aconteceu, um dia em que a Simtek quase deu certo nas minhas mãos.

07 julho, 2007

O Conde de Dumfries

Johnny Dumfries e seu belo Lotus 97T número 11 em JacarepaguáForam míseros 3 pontos contra 55 de Ayrton Senna, seu companheiro de equipe. Por causa daquela temporada de 1986, por toda a vida eu achei que Johnny Dumfries era um dos piores pilotos que já passaram pela Fórmula 1. Mas investigando um pouco mais, descobri que não só ele não é, nem de perto, o piloto fracassado que eu pensei que fosse, e nem sequer uma pessoa como as outras.

Se o título de campeão mundial nem passou perto, ao menos ele nasceu com outro: o escocês John Colum Crichton-Stuart é o 7o. Marquês de Bute, e, até 1993, também o Conde de Dumfries. John descende tanto dos Tudor (a família real inglesa) como dos Stuart (a família real escocesa). Seu pai, John (aliás, todos os seus 5 últimos ancestrais tinham o mesmo nome, e seu único filho homem também) o mandou para os estudos, mas aos 19 anos Johnny resolveu abandonar temporariamente a pompa da nobreza britânica e seguir sua verdadeira paixão: o automobilismo. E naturalmente, ele foi atrás da categoria mais nobre, a Fórmula 1. Em 1977 foi indicado pelo seu primo Charlie, que trabalhava para a Williams na parte de contatos publicitários, a Frank Williams para dirigir um dos caminhões da equipe. "Era uma situação estranha empregar alguém da realeza, mas sua atitude era normal e natural, e ele deixava as pessoas à vontade" lembra Frank. Segundo o chefão da Williams, Johnny era alegre, trabalhava duro (usava sempre botas de pedreiro), e era uma pessoa muito direta. Até por isso, ao invés de se referir a si mesmo com toda formalidade que sua posição tradicionalmente requer, o escocês passou a usar um nome mais simples: Johnny Dumfries.

A carreira começou para valer a partir de 1980, no kart. Seu primeiro kart tinha motor de Lambretta, e uma das quatro rodas também! Naquele ano sofreu um acidente e quebrou os dois tornozelos. Enquanto se recuperava no hospital, recebeu um telegrama assinado por Frank Williams, Alan Jones e Clay Regazzoni, que dizia: "certamente será a primeira de muitas". Passando para a Fórmula Ford 1600, passou 2 dois anos progredindo notavelmente.

Num treino em Oulton Park, Eddie Jordan - já comandando sua equipe - protestou contra o motor de Dumfries que estaria adulterado. O escocês trocou o motor, e a partir dali começou a vencer corridas. Até hoje Jordan, quando o encontra, aponta para ele e diz "Johnny, eu fiz você".

Dumfries testa um Lola para a Fórmula 3, em 83Em 1983 chegou à Fórmula 3 inglesa, onde foi massacrado pelo duelo Ayrton Senna-Martin Brundle, embora em uma corrida, em Silverstone, tenha duelado com o brasileiro pela vitória (Senna o jogou para fora da pista quando Dumfries tentava ultrapassá-lo, mas ele voltou e permaneceu na sua cola até o acelerador quebrar). Mas em 84 ele teve seu grande ano. Competindo simultaneamente no campeonato inglês e no europeu da categoria, Dumfries foi campeão britânico com nada menos que 10 vitórias. No europeu, levou a disputa pelo título até o final, perdendo para Ivan Capelli - mas deixando em terceiro um certo Gerhard Berger.

Dumfries a bordo de uma FerrariO desempenho atraiu a atenção de grande equipes de Fórmula 1, e passou o ano de 84 testando para Brabham, Williams, McLaren e Lotus. Em 85 assinou contrato de exclusividade com a Ferrari como piloto de testes, enquanto competia no primeiro campeonato da Fórmula 3000 com a Onyx. E a grande chance viria no ano seguinte, com a Lotus.

Mas nem tudo são flores. Por trás daquele desempenho pífio na sua única temporada estavam problemas graves de ordem técnica, política e administrativa. A Lotus naquele ano começava a dar sinais de fraqueza, e no final de 85 ela estava nas mãos de seu patrocinador - a John Player Special - e curiosamente do seu piloto mais novo e mais talentoso, Ayrton Senna. Senna sempre foi um político agressivo na sua carreira, e durante 1985 ele tratou de minar Elio de Angelis, tanto exercendo pressão psicológica sobre a equipe como mostrando maior competência na pista, fazendo o italiano procurar outro time para o ano seguinte depois de 5 anos na Lotus. A vaga aberta fez com que a JPS pressionasse o diretor da equipe, Peter Warr, a aceitar um piloto britânico, e o favorito era Derek Warwick.

Warwick era um piloto de talento reconhecido no circo, com mais experiência, e que estaria chegando após dois anos como piloto da Renault. Poderia ter ido para a Williams em 1985, mas a desconfiança no projeto da Honda o fez recusar a proposta - Frank contratou Nigel Mansell no seu lugar. Não creio que Senna desconfiasse de seu próprio talento para superar Warwick na pista, mas a chegada de um inglês com apoio do patrocinador e do fornecedor de motores significava que a equipe teria que dividir atenções. Sabendo da má fase administrativa pela qual passava a equipe, Senna sabia que ela só teria condições de colocar um dos carros em ponto de bala para lutar por vitórias, e a divisão dos esforços significaria que ele seria empurrado para trás no grid com equipamento ruim. Por isso Senna vetou a transferência de Warwick, ameaçando seguir Elio de Angelis (que coisa) e ir para a Brabham se o inglês fosse contratado. Consultado sobre quem seria o piloto ideal, Senna indicou seu amigo Maurício Gugelmim. Mas como Maurício ainda não tinha qualquer experiência - e nem era britânico - Senna voltou atrás e indicou o piloto de testes da Ferrari, o seu rival naquela corrida chuvosa em Silverstone.

Não foi uma escolha cega da equipe. Dumfries construiu uma sólida reputação como test driver, embora lhe faltasse aquele toque de genialidade que fazem os pilotos vencedores. Com isso, a JPS tinha seu piloto britânico, Senna tinha um companheiro que não o iria incomodar, e o escocês tinha um carro para realizar seu sonho.

Dumfries perdido no meio do Será que tinha? Na estréia no Brasil, o Conde escocês largou em oitavo e vinha entre os 6 primeiros quando o carro número 11 quebrou. E as quebras se tornaram uma constante durante o ano. A verdade é que a Lotus só tinha condições, realmente, de preparar um dos carros para disputar as primeiras posições. O outro carro recebia componentes usados, de versões anteriores, ou até mesmo sem condições de uso - a Lotus usou Dumfries para testar um novo câmbio de 6 marchas... em plena corrida (segundo ele, com essas palavras, "era uma merda")! Eram dois carros totalmente diferentes, e isso era evidente na pista - nem Michael Andretti teve um desempenho tão abaixo de Senna, entre todos os seus companheiros de equipe, e era claro que isso não era natural. Os problemas da equipe eram tais que mesmo o carro especialmente preparado para Senna o deixou na mão diversas vezes. Sua melhor corrida naquele ano foi o memorável GP da Hungria, quando conseguiu levar seu carro até o final na quinta colocação. O terceiro ponto veio com o sexto na última corrida, na Austrália, onde Senna ironicamente abandonou com o motor estourado.

No final do ano, a JPS deixou a Lotus, e com isso o patrocinador que garantia sua vaga não existia mais. Em 87, a Honda trazia no pacote Satoru Nakajima, e o escocês foi demitido. Embora tivesse cometido poucos erros e mostrado uma habilidade na média da concorrência, os 3 pontos contra os 55 de Senna (incluindo duas vitórias espetaculares em Jerez e Detroit) pesaram contra, e Dumfries ficou sem lugar no ano seguinte.

Dumfries ao lado de Alessandro Nannini iniciando testes com a Benetton em JacarepaguáJohnny Dumfries continuou na Fórmula 1 como piloto de testes da Benetton entre 1988 e 90, desenvolvendo seu projeto de suspensão ativa.

O célebre Silk Cut Jaguar XRJ-9 vencedor em Le Mans em 1988Em 1988 alcançou a glória vencendo as 24 Horas de Le Mans pilotando a histórica Jaguar XJR-9 ao lado de Jan Lammers e Andy Wallace, e até 1992 disputou o Campeonato Mundial de Esporte-protótipos (em 89 e 90 foi o líder da equipe Toyota). Em 89, durante as 24 Horas, Dumfries teve problemas com a suspensão de seu carro. Com o bólido encostado na pista, ele desceu e começou a concertar a suspensão quebrada ali mesmo. Boa parte dos mecânicos da equipe se juntaram na beira da pista, mas eles se seguravam para não mexer no carro para não sofrerem uma desqualificação. Após duas horas e sob muitos aplausos, Dumfries conseguiu fazer o carro andar novamente, pelo menos para ir até os boxes. Mas quando ele foi acelerar, a roda enroscou um cabo de uma câmera que havia passado por ali, e quebrou tudo de novo.

A Mansão de Dumfries, casa dos Condes de Dumfries desde o século XIXEntre 91 e 92, Dumfries estava tentando acertar sua ida para a Indy, mas problemas financeiros de seu patrocinador - ele nunca correu com o próprio dinheiro - e com a equipe o fizeram desistir das corridas de automóvel. Depois de se aposentar, Johnny Dumfries - que mudou seu nome "artístico" para John Bute - passou a se dedicar aos negócios da família quando seu pai ficou doente, e também e às artes plásticas, ganhando boa reputação como pintor e decorador (o ex-piloto de Tyrrell e Lotus Julian Bailey, ao conhecê-lo, achou que "ele certamente fala como um decorador"). No Festival da Velocidade de 2000, em Brands Hatch, Dumfries apareceu com o Jaguar com o qual venceu em Le Mans - durante uma volta, errou uma freiada e subiu com o carro morro acima até bater. Johnny apenas levantou as mãos e as levou ao capacete em desespero pelo carro perdido. Em abril passado, Dumfries colocou a antiga casa da família - em Dumfries, Escócia - à venda, com o valor inicial de 13,5 milhões de dólares. Foi vendida dias atrás a um grupo interessado em sua preservação liderado pelo próprio Príncipe Charles.

Embora a passagem pela Fórmula 1 tenha sido rápida e discreta, talvez a pior fase de sua carreira como piloto, ele guarda até hoje recordações daquele tempo. Ao final da sua última corrida, na Austrália, os mecânicos da Lotus fizeram uma pequena festa e o presentearam com uma escultura feita de pedaços de uma caixa de câmbio quebrada, reconhecendo o esforço e o trabalho limitados pelo péssimo equipamento que tinha nas mãos. Se ele passa compreensivelmente esquecido até na memória dos mais fanáticos, pelo menos de mim ele ganhou o respeito - pesquisar a biografia dele foi uma delícia. Segundo Mark Blundell (resgatado por Dumfries de uma pancadaria num bar no México), "ele é um Top Banana. É o máximo que alguém pode chegar na minha lista!"

Fontes: Johnny Dumfries Official Website (os depoimentos dos amigos são impagáveis), Wikipedia, 8W (incluindo fotos), Site oficial do Príncipe de Gales, Wheels Archives (foto), Telegraph, Formula 3 History (foto), Formula One Facts (fotos).

30 junho, 2007

Talento para algo mais que pilotar

Quando pensamos em um piloto de Fórmula 1, pensamos primeiro em um profissional obcecado pelo que faz, simplesmente um sujeito que tem por talento natural guiar um carro o mais rápido possível. Claro que, se não fosse o caso, nenhum deles chegaria a uma competição automobilística de alto nível, mesmo aqueles pilotos que conseguem seu lugar mais por sua conta de patrocinadores pessoais do que por talento. Mas muitos pilotos também têm ou tinham uma afinidade ou uma habilidade natural incomum em outras atividades, que acabaram desenvolvendo como hobby, ou, após a aposentadoria ou mesmo paralelamente, como uma segunda atividade profissional.

Senna em dois momentos na sua casa em Angra dos Reis: aeromodelismo e jet skiDesde os anos 80, o estilo esportista adotado e divulgado por Ayrton Senna estimulou a prática de esportes e exercícios físicos como parte da preparação física e mental dos pilotos. Se antes um piloto de Fórmula 1 precisava apenas comparecer a testes, corridas, e eventos publicitários, sem se preocupar muito com a forma (e alguns pilotos nos anos 50 e 60 eram bem gordinhos, como o grande piloto argentino José Froilan González), a partir dali muitos adotaram a vida de um atleta. Senna tinha como hobby o jet ski, na época um esporte pouco conhecido no Brasil. Alguns esquiavam. Os pilotos da Ferrari, por sinal, ainda são quase obrigados a saber usar o esqui, já que faz parte do contrato passar as férias no resort da empresa nos alpes italianos e posar para a mídia internacional, de preferência, sem fazer feio na neve. Aliás, Rubens Barrichello aproveitava a oportunidade para vencer Michael Schumacher em corridas de trenós motorizados. Emerson Fittipaldi, depois de coroa, pilotava ultraleves, até se acidentar com um em sua fazenda, em São Paulo. O mesmo Schumacher levava um misto de preparador físico com guru espiritual a todas as corridas. Fernando Alonso é um dos pilotos atuais que mais leva a preparação física a sério.

Schumacão em ação em jogo beneficente na EslovêniaFutebol é como um segundo esporte para quase todos os pilotos (exceto os americanos, claro), embora a maioria seja perna de pau. Nigel Mansell, por exemplo, torceu um tornozelo durante uma partida, em 91 ou 92, não lembro, e durante várias semanas ele subiu ao pódio apoiado numa bengala. O próprio Rubens é um peladeiro razoável, Jarno Trulli e Giancarlo Fisichella não perdem uma chance de entrar em campo, enquanto Michael Schumacher, por outro lado, é um centro-avante competente, fazendo muitos gols em partidas beneficentes, não poucas vezes aqui no Brasil e contra jogadores e ex-jogadores profissionais. O alemão até comprou um pequeno time na Suíça, onde, nos dias livres, ou quando lhe convém, joga como titular.

John Surtees, uma lenda da motovelocidadeVários jogam golfe, como Mansell. Keke Rosberg praticava tênis, assim como seu filho Nico. E não podemos esquecer daqueles que fizeram carreira em outras modalidades antes de chegar à Fórmula 1, como John Surtees (o único campeão mundial nesta categoria e em motovelocidade), Johnny Ceccoto, e, por um triz, Valentino Rossi, que tinha vaga quase certa na Ferrari este ano. Nem vou mencionar pilotos de outras categorias de ponta, como Alan McNish, Michael Andretti, ou Christjan Albers, porque, afinal, também aquelas eram corridas de carro de alto nível.

Jato da Lauda Air, empresa aérea de Niki LaudaOutros tinham um faro especial para os negócios. É o caso de Emerson Fittipaldi, que ganhou muito mais dinheiro com sua produção de cítricos e com a administração de sua imagem do que como piloto. Ayrton Senna com sua irmã Viviane dirigiam a Fundação Ayrton Senna, que até hoje movimenta muita grana investindo em instituições voltadas a crianças carentes. Clay Regazzoni, depois do acidente que o tornou paraplégico em 1980, se tornou um dos mais ativos defensores dos direitos dos deficientes físicos pelo mundo. Nélson Piquet, que trabalhou como mecânico no início da carreira de piloto, foi pioneiro na instalação de um sistema de monitoramento via satélite de transportes de carga no Brasil. Niki Lauda e Keke Rosberg se tornaram concorrentes ao fundarem, cada um, uma empresa aérea. Huub Rothengatter agencia pilotos na Europa. E por que não mencionar o "hômi", Bernie Ecclestone, que, de piloto mediano que falhou em duas tentativas de se classificar para GPs nos anos 50, se tornou o dirigente mais poderoso da categoria e um dos mais ricos do mundo do esporte? E outros que se tornaram donos de equipes, como Jack Brabham, Dan Gurney, Surtees, Jackie Stewart, Guy Ligier, Gerrard Larrousse, Wilsinho Fittipaldi, Alain Prost, e companhia.

Slim Borgudd é o do meioE houve, também, pilotos com uma veia artística mais forte. Slim Borgudd, ex-piloto de ATS e Tyrrell - e o meu piloto obscuro favorito! - era o baterista de estúdio do conjunto ABBA. O campeão Jacques Villeneuve também é músico agora, e já soltou a voz num CD lançado ano passado. Elio de Angelis tocava piano tão bem que diziam que ele poderia facilmente ter seguido a carreira de pianista de concertos. Johnny Dumfries é, além de um pintor de talento considerável, decorador e designer de móveis.

Martin Brundle entrevista Eddie IrvineOutros revelaram-se bons comunicadores. Ivan Capelli se tornou comentarista da RAI, James Hunt e Martin Brundle da BBC, Luciano Burti da Globo. Patrick Tambay trabalhava como jornalista quando descobriu, em 92 ou 93, que a Ligier usava peças móveis no seu aerofólio traseiro - já naquela época se tentava burlar o regulamento.

Assim como ser piloto de corridas não exclui a possibilidade de desenvolver outros talentos não relacionados, também nada impede que profissionais de outras áreas - vide o caso do bateirista Slim Borgudd, que pilotou por duas temporadas e ainda marcou um ponto, ou o aristocrático Johhny Dumfries - venham a demonstrar um talento inesperado para o automobilismo. Lógico que, para chegar lá, é preciso desenvolver esta aptidão ao limite, e isso envolve tempo, investimento, esforço e abnegação. Mas já pensou, você que é advogado, eletricista, dentista (houve um dentista correndo as 500 Milhas de Indianápolis!), ou, no meu caso, botânico, se aventurar nas pistas sem grande perspectivas, e ser chamado para ser piloto de Fórmula 1? Não custa sonhar.

Fontes: BBC (foto), Slovenia News (foto), Bouboum - álbum no Photobucket (foto), PTN1.net (foto), Formula One Rejects.